Por Amir Labaki
Tom Stoppard (1937-2025) está
morto. “Shakespeare Apaixonado” (1998) conquistara-lhe fama planetária
pela atribuição, a ele e ao co-roteirista Marc Norman, do Oscar de
melhor roteiro. No mundo dos palcos, há mais de meio século se firmara
como um dos mais originais e renomados dramaturgos britânicos do
pós-guerra. Mais precisamente, desde a estreia londrina em 1967, no Old
Vic Theatre, de “Rosencrantz e Guildenstern Morreram”, uma revisita da
tragédia shakespeareana de Hamlet sob a perspectiva de dois personagens
secundários. Sua adaptação para as telas, na única direção
cinematográfica de Stoppard, já lhe valera em 1990 o Leão de Ouro do
Festival de Veneza.
O cinema ampliou-lhe a
popularidade e a conta bancária, mas nele nem esteve tão ativo. Foi um
dos roteiristas de “Brazil, O Filme” (1985), de Terry Gilliam, adaptou
“O Fator Humano”, de Graham Greene (1979), e “A Casa da Rússia”, de John
Le Carré (1990), colaborou com Rainer Werner Fassbinder (Desespero –
Uma Viagem para a Luz, 1978) e Steven Spielberg (Império do Sol, 1997,
Indiana Jones e a Última Cruzada, 1998) -e não muito mais.
Seu teatro é único, em
inventividade narrativa, erudição sem pompa, diálogos ágeis, certeiros,
surpreendentes e bem-humorados. “Pastiches” (1974) gira em torno da
presença simultânea em 1917 de James Joyce, Lênin e Tristán Tzara em
Zurique. “Arcádia” (1993) joga com a teoria do caos. A trilogia “A Costa
da Utopia” (2002) radiografa o embate de ideias revolucionárias na
Rússia do século XIX. “Rock ‘N’ Roll” (2006) trata de momentos cruciais
da história de sua Tchecoslováquia natal. Exceto a terceira, foram
traduzidas com a competência habitual por Caetano W. Galindo numa
reunião de sete de suas peças (“Rosencrantz” também entre elas) lançadas
em 2011 pela Companhia das Letras.
Stoppard foi a principal atração
da Flip de 2008, numa mesa histórica conduzida por ninguém menos que
Luís Fernando Veríssimo (confira trechos no YouTube). Dias depois, no
Centro Brasileiro Britânico, em São Paulo, ele concedeu uma entrevista
pública conduzida, para meu orgulho fraterno, pelo dramaturgo Aimar
Labaki. Alto, de rosto redondo, cabeleira leonina, Tom Stoppard
projetava um carisma hipnótico. Seguem algumas das respostas que anotei
naquela tarde inesquecível.
“Quando comecei a escrever,
minha primeira fase foi escrevendo prosa e era uma cópia embaraçante de
Hemingway. É um dos meus autores prediletos, mas não influenciou nada em
meu teatro”.
"Escrevo à mão. Não sei usar um
computador. Para responder e-mail, minha secretaria, que está comigo há
mais de trinta anos, os imprime e os envia por fax para mim. Eu respondo
na própria página e ela responde o e-mail. Para usar o Google, ela
também pesquisa e envia por fax para mim”.
"Não consigo ouvir música enquanto
escrevo. É uma situação como a da luz na geladeira. Não dá para ficar
no meio dos dois estágios. Fico em geral ligado a uma música em
particular para cada nova peça. Houve uma com ‘Graceland’, do Paul
Simon; outra, com os inesgotáveis Rolling Stones. Para ‘Rock‘n Roll’,
meu filho gravou um CD com todas as canções que pedĩ".
"Kenneth Tynan (1927-1980) era o
maior crítico de teatro da Grã-Bretanha quando comecei. Na verdade,
quando minha primeira peça estreou, ele já era ‘Dramaturg’ (AL –
‘literary manager’, mais precisamente) no National Theatre Company.
Quando ele escreveu meu célebre e longuíssimo perfil para "The New
Yorker" (1977), que nem eu consegui acabar de ler, eu acabara de ter
estreado duas peças políticas (AL – ‘Todo Bom Menino Merece Favores’ e
‘Roupa Suja & Terra Recém-Descoberta’), que contradiziam toda a tese
dele de que eu era um dramaturgo mais formalista, ligado ao jogo de
palavras etc”.
"Uma peça não nasce de um tema.
Teatro é uma forma de arte narrativa. Trabalha por meio de metáforas.
Uma obra de arte não é um jogo de palavras-cruzadas, com respostas
certas e erradas".
“Gosto de todos os tipos de teatro. Não apenas do tipo de peças que eu escrevo”.
“Não quero escrever musicais. Não tenho jeito para isso".
“Não gosto de dirigir teatro, mas
sim de acompanhar os ensaios. Todas. as minhas peças me parecem ter
cinco minutos a mais. Em ‘A Costa da Utopia’, cortei 50 minutos quando
da mudança de Londres para Nova York. A maratona passou de nove horas
para oito. É por isso que a maioria das minhas peças tem um texto na
primeira edição em livro e outro reajustado na segunda".
"Não posso dizer que trabalhei com
Fassbinder em ‘Desespero”. Não. reconheço minha contribuição no filme
pronto. Sentei numa sala com ele, almoçamos algumas vezes, falamos de
‘Despair’ (romance de Vladimir Nabokov), mas isso não era trabalhar
junto. Fiquei aterrorizado com ele. Ele e o namorado chegaram a nosso
primeiro encontram vestidos de couro preto. Estavam como num filme todo
deles. Era como Marion Brando em ‘O Selvagem’ (1953)”.
“‘Shakespeare Apaixonado’ é um
filme de escritor. Gosto dele, apesar da ênfase romântica. A
sensibilidade de John Madden (o diretor) acentuou o lado amoroso, que
não era o que me interessava mais. Me considero romântico como pessoa,
mas não gosto de romantismo no trabalho”.
“Algo parecido aconteceu com ‘A
Casa da Rússia’. Os divulgadores frisaram ser um filme com Sean Connery e
Michelle Pfeiffer. Não era o que me interessava, Eu estava fascinado
pela guerra entre a CIA e o MI5, o lado da espionagem. Gosto muito de
(John) Le Carré. Tudo bem que Sean tinha de beijar Michelle, mas não era
preciso fortalecer tanto este lado”.
“A situação atual na Grã-Bretanha é
trágica e revoltante. Veja por exemplo a questão do número máximo de
dias em que alguém podia ficar detido pela polícia. Na época de ‘A Costa
da Utopia’, século XIX, eram 48 horas. Agora estão passando para 42
dias”.
"Três temas estão hoje em minha lista essencial: o Iraque, Israel e o aquecimento global".