Por Amir Labaki
Aceleradas
as apostas para o Oscar 2026, a presença brasileira pode ir além da
provável indicação em mais de uma categoria de “O Agente Secreto”, de
Kleber Mendonça Filho. Entre as premiações paralelas e listas de
favoritos para o prêmio de Academia de melhor documentário de
longa-metragem, “Apocalipse nos Trópicos”, de Petra Costa, aparece com
destaque, podendo valer à cineasta sua segunda indicação, após concorrer
em 2020 com “Democracia em Vertigem” (ambos disponíveis na Netflix).
Três dos termômetros dos
concorrentes, a “short list” da 16ª edição do festival DOC NYC, as
indicações ao 10º Prêmio para Documentários do Critics Choice, e as
previsões de Scott Feinberg na revista The Hollywood Reporter, apontam
“Apocalipse nos Trópicos”, o filme sobre a influência política de
evangélicos ultraconservadores (representados pelo pastor Silas
Malafaia) na ascensão de Jair Bolsonaro, na linha de frente entre os
mais bem cotados para a disputa. A lista dos 15 semifinalistas na
categoria será anunciada em 16 de dezembro, com os cinco indicados sendo
revelados em 22 de janeiro. A 98ª cerimônia de entrega do Oscar
acontece em 15 de março de 2026.
Apenas dois outros títulos são
destacados no topo das listas citadas. Exibido no É Tudo Verdade deste
ano, “2000 Metros para Andriivka” é um tenso thriller de trincheira da
guerra de Putin na Ucrânia, dirigido por Mstyslav Chernov. Seu filme
anterior sobre o conflito, o não menos sombrio “20 Dias em Mariupol”,
levou o Oscar da categoria em 2023.
Por sua vez, em “A Vizinha
Perfeita” (Netflix), Geeta Gandbhir radiografa mais um episódio cruel da
violência racista na América profunda, ao reconstitui o assassinato da
afro-americana Ajike Owens por sua vizinha branca Susan Lorincz. Ao
estruturar sua narrativa a partir dos registros captados por câmeras
corporais de policiais e câmeras de segurança, Gandbhir recebeu o prêmio
de melhor direção na disputa de documentários dos EUA no Sundance deste
ano.
Nem sempre no primeiro pelotão,
três outros documentários também largam na frente nas três relações.
Apenas ligeiramente abaixo, ao ser indicado a melhor filme de estreante e
não na categoria principal pelo Critics Choice, situa-se “Jayne
Mansfield, Minha Mãe”, de Mariska Hargitay, a original pesquisa do
passado familiar de uma “bombshell” da Hollywood clássica, aqui
comentado quando da estreia na HBO Max em julho passado.
Também resenhado nesta coluna, na
última semana, como um dos destaques da 49ª. Mostra Internacional de
Cinema em São Paulo, o retrato de um dos principais jornalistas
investigativos americanos, Seymour M. Hersh, em “Cover-Up”, parece
posicionar com força na disputa mais uma vez a diretora Laura Poitras,
vencedora do Oscar em 2014 com “Citizenfour”, agora em parceria com Mark
Obenhaus. A cineasta norte-macedônia Tamara Kotevska volta firme à
disputa, depois da indicação em 2020 de “Honeyland”, com um mergulho na
batalha cotidiana de um veterano agricultor em “The Tale of Silyan” (a
fábula de Silyan).
Apesar de ausentes entre os 15
selecionados para a “short list” de DOC NYC, dois títulos destacados
pela Critics Choice e por The Hollywood Reporter surgem como candidatos
fortes. Indicado no maior número de categorias (7) pela premiação da CC,
“Orwell 2+2=5” é um denso ensaio sobre a contemporaneidade dos escritos
de George Orwell dirigido pelo cineasta haitiano Raoul Peck, o mesmo de
“Eu Não Sou Seu Negro”, sobre a obra do escritor afro-americano James
Baldwyn, finalista ao Oscar em 2017.
Por sua vez, Andres Veiel demole,
em “Riefenstahl: Cinema e Poder” (Festival do Rio, 2014), as lendas
autovitimizadoras construídas pela documentarista oficial do Terceiro
Reich, Leni Riefenstahl (O Triunfo da Vontade; Olympia). Como destaquei
neste espaço há um ano, Veiel liquida a mistificação da
pseudoneutralidade da cineasta quanto ao regime nazista a partir do
acesso inédito a mais de 700 caixas de documentos escritos e
audiovisuais do arquivo dela.
Não me surpreenderia se ainda
outro documentário sobre cinema, lembrado com menor ênfase pelas
escolhas do trio, conquistar ao menos uma das 15 vagas entre os
semifinalistas da Academia. Em “The Eyes of Ghana” (Os Olhos de Gana), o
canadense Ben Proudfoot lança luz sobre um dos capítulos essenciais
da luta pela independência do jugo colonial pelas nações africanas ao
entrevistar o operador de câmera Chris Hesse, hoje nonagenário, e
recuperar as filmagens realizadas por ele acompanhando, nas décadas de
1950 e 1960, o líder independentista e primeiro presidente de Gana Kwame
Nkrumah (1909-1972). Proudfoot, lembre-se, já ostenta nas estantes duas
estatuetas de Oscar de melhor curta documental, por “The Queen of
Basketball” (A Rainha do Basquete, 2022) e “A Última Loja de Concertos”
(codireção de Kris Bowers, 2024).
Igualmente provável e merecida
seria a lembrança de “Guarde o Coração na Palma da Mão e Caminhe”,
dirigido pela cineasta iraniana residente na França Sepideh Farsi. Para
driblar o veto israelense a cobertura jornalística e registros
documentais “in loco” do morticínio em Gaza, Farsi recorreu a
videochamadas com a fotógrafa palestina Fatma Hassona. Mais impactantes
do que os registros feitos por Hassona, e seus depoimentos sobre a
rotina de ataques, destruições e mortes, talvez apenas agora a
irrevogabilidade de seu silêncio.