Por Amir Labaki
Um
Festival de Cannes com ênfase feminina. É o que se prenuncia pelo
programa da 78ª edição do principal evento cinematográfico mundial, que
acontece entre a próxima terça, 13, e o sábado, dia 24.
A forte presença do cinema
realizado por mulheres marca já o filme de abertura, “Partir Un Jour”
(Partir Um Dia), desenvolvido pela diretora Amélie Bonnin a partir de
seu curta-metragem homônimo, vencedor do César da categoria em 2021.
Presidido pela atriz francesa Juliette Binoche, o júri oficial que
atribuirá a Palma de Ouro tem rara maioria feminina. E, se não há pleno
equilíbrio de gênero, representa um avanço frente à média histórica da
competição a seleção de sete filmes de diretoras.
A lista das cineastas na disputa
principal é aberta por uma das três premiadas anteriormente com a Palma
de Ouro, a francesa Julia Ducournau, que após o triunfo em 2021 com
“Titane” volta agora à competição com “Alpha”. A relação inclui também
“Die, My Love”, da escocesa Lynne Ramsay, “The Mastermind”, da americana
Kelly Reichardt; “La Petite Dernière”, da francesa Hafsia Herzi;
“Renoir”, da japonesa Chie Hayakawa; “Romería”, da espanhola Carla
Simón; e “Sound of Falling”, da alemã Mascha Schilinski.
Além de Ducournau, na relação dos
21 concorrentes apenas os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, que lançam
“Jeunes Méres”, venceram anteriormente em Cannes -e duas vezes, com
“Rosetta”, em 1999 e “A Criança”, em 2005. Quase metade dos selecionados
disputam a Palma pela primeira vez. Mas, assim como Ramsay e Reichardt,
não faltam veteranos da Croisette já premiados, mas ainda em busca da
consagração maior, notadamente os americanos Wes Anderson (The
Phoenician Scheme) e Richard Linklater (Nouvelle Vague), o ucraniano
Sergei Loznitsa (Two Prosecutors), o italiano Mario Martone (Fuori), o
brasileiro Kléber Mendonça Filho (O Agente Secreto), o iraniano Jafar
Panahi (Un Simple Accident) e o norueguês Joachim Trier
(Affeksionsverdi).
Celebre-se a relativa renovação,
mas Cannes não seria Cannes se não reservasse na programação fora de
concurso do programa oficial mais títulos que garantam um tapete
vermelho movimentado por estrelas -isto é, Hollywood. Três anos depois
de roubar a cena com “Top Gun 2”, Tom Cruise volta ao festival com
“Missão Impossível 8”, de Christopher McQuarrie. As atrizes Scarlett
Johansson e Kristen Stewart participam da segunda disputa principal, na
mostra Um Certain Regard, com suas respectivas estreias atrás da câmera,
“Eleanor The Great” e “The Chronology of Water”.
Fora de competição, Spike Lee leva
à Croisette sua releitura de “Céu e Inferno” (1963), de Akira Kurosawa,
em “Highest 2 Lowest”, protagonizado por Denzel Washington. Por sua
vez, numa das Sessões à Meia-Noite, Ethan Coen exibe a comédia policial
lésbica “Honey Don’t!”, estrelada por Margaret Qualley (A Substância).
Já a Palma de Ouro honorária será entregue a Robert De Niro, um ano
antes do cinquentenário da vitória no festival de “Taxi Driver”, de
Martin Scorsese.
Além do retorno de Kléber Mendonça
Filho à competição principal seis anos após receber o Prêmio do Júri
por “Bacurau”, o cinema brasileiro é destacado como País de Honra do
Marché du Film desta edição. Honra o É Tudo Verdade ser pela quinta vez
um dos festivais parceiros oficiais da organização de Cannes Docs, a
seção dedicada a documentários do Mercado.
Outros títulos brasileiros
participam de mostras paralelas de Cannes 2025. Batizado em homenagem a
uma canção de Tom Zé, a coprodução luso-brasileira “O Riso e A Faca”, do
português Pedro Pinho, concorre em Un Certain Regard. O curta-metragem
nacional “Samba Infinito”, de Leonardo Martinelli, concorre na Semana da
Crítica. Quatro curtas-metragens cearenses realizados no âmbito de um
seminário promovido pela Quinzena dos Cineastas participam do
tradicional ciclo. (Depois do fechamento da versão impressa desta
coluna, Cannes Classics anunciou a pré-estreia de “Para Vigo Me Voy!”,
retrato biográfico de Cacá Diegues (1940-2025) dirigido por Lírio
Ferreira e Karen Harley).
Comemorando uma década de sua
criação, o prêmio de melhor documentário, o Olho de Ouro, organizado em
parceria entre Cannes e a Sociedade de Autores La Scam, será disputado
também marcada pela renovação, com poucos realizadores consagrados.
Vitorioso no ano passado, o diretor haitiano Raoul Peck concorre com
“Orwell: 2 +2 = 5”, selecionado para Cannes Première. Retirado de última
hora da seleção do Sundance em janeiro passado, “The Six Billion Dollar
Man”, retrato de Julian Assange por Eugene Jarecki (Por Que Lutamos?),
estreia finalmente entre as Sessões Especiais. JáAndrew Dominik (Blonde)
lança, na mesma mostra, “Bono: Stories of Surrender”, que já em 30 de
maio entrará mundialmente no streaming da Apple TV+.
Prêmios à parte, na seleção
paralela da ACID (Associação do Cinema Independente por Sua Difusão), o
documentário “Put Your Soul on Your Hand and Walk”, da iraniana Sepideh
Farsi, será uma das projeções mais concorridas do ano. Depois da seleção
do filme, sua protagonista, a fotógrafa palestina Fatem Hassona, se
tornou mais uma das milhares de vítimas fatais da realidade que
documentou: a cruel campanha militar comandada pelo primeiro-ministro
israelense Benjamin Netanyahu em Gaza após os ataques terroristas do
Hamas de 7 de outubro de 2023. De seu jeito, Cannes é m termômetro do
mundo.