Por Amir Labaki
O cinema brasileiro nunca esteve
mais próximo de receber seu primeiro Oscar do que neste domingo (2), na
97ª cerimônia de entrega da premiação anual da Academia de Artes e
Ciências Cinematográficas de Hollywood. Indicado em três categorias,
incluindo pela primeira vez a disputa com uma produção nacional como
finalista a melhor filme, “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles
a partir do livro memorialístico homônimo de Marcelo Rubens Paiva,
chega à reta final entre os favoritos para dois prêmios, o de melhor
filme internacional e o de melhor atriz para Fernanda Torres.
As chances parecem ligeiramente
maiores na antiga categoria de melhor filme de língua não-inglesa.
Apesar das intensas polêmicas que enfrentou sobretudo a partir das
mídias sociais, o concorrente principal é o outro dos cinco indicados
também presente na disputa de melhor filme, “Emilia Pérez” do francês
Jacques Audiard, que liderou no número de indicações (13) do ano.
O musical venceu nesta categoria o
BAFTA, o “Oscar” britânico, e o Globo de Ouro. Por sua vez, “Ainda
Estou Aqui” afirmou-se no último mês com excelente repercussão de
crítica e de público nos EUA, somadas ao igualmente positivo desempenho
internacional e ao impulso do robusto acolhimento pelo espectador
brasileiro e do papel histórico no país de rememoração da repressão
violenta pela ditadura militar de 1964. Não se subestime, porém,
correndo por fora, a possibilidade de triunfo do iraniano “A Semente do
Fruto Sagrado”, o urgente drama político do hoje exilado Mohammad
Rasoulof sobre a brutal máquina opressora do regime radical islâmico.
A sutil e tocante performance de
Fernanda Torres, catapultada pela vitória como melhor atriz de drama no
Globo de Ouro, concorre com a saga da volta por cima, tão cara a
Hollywood, de Demi Moore em “A Substância”. A reinvenção da carreira da
outrora popular estrela de “Ghost” (1990) e “Proposta Indecente” (1993)
já lhe valeu também um Globo de Ouro, bizarramente na categoria de
melhor atriz de comédia ou musical, e o prêmio do Critics Choice.
A disputa embolou pela arrancada
recente da revelação Mikey Madison em “Anora”, distinguida com o BAFTA. A
espanhola Karla Sofía Gascón, de “Emilia Pérez” faz história como a
primeira atriz transgênero indicada, mas suas chances minguaram com o
desgaste pelas descabidas postagens desenterradas de outros tempos em
mídias sociais. Se vitoriosa, Fernanda vai se juntar a Sophia Loren
(Duas Mulheres, 1961) e a Marion Cotillard (Piaf, 2007), as duas únicas
premiadas com o Oscar de melhor atriz por desempenhos em línguas
não-inglesas.
Há algum tempo a disputa pelo
Oscar de melhor filme não apresenta igual equilíbrio. Desde o triplo
triunfo nas últimas semanas nas competições das associações de diretores
(DGA), de produtores (PGA), e de roteiristas (WGA), “Anora”, de Sean
Baker, desponta como o favorito da hora. É uma simpática comédia
dramática sobre o envolvimento de uma jovem prostituta americana com o
herdeiro de um magnata russo em visita hedonista aos EUA. Sem spoilers, o
roteiro evolui de forma mais original do que o prometido pela sinopse.
“O Brutalista”, de Brady Corbet, é
o grande épico dramático da competição. Com quase três horas e meia de
duração, astutamente divididas por intervalo, acompanha em ritmo
compassado e tom grandiloquente a reconstrução nos EUA da vida de um
arquiteto judeu húngaro (Adrien Brody, favorito a melhor ator) que
sobrevive ao Shoah. Mais bem dirigido do que eficazmente roteirizado,
ainda assim entrega muito mais do que a safra habitual do cinema
americano.
As vitórias como melhor filme no
BAFTA e de melhor elenco pela associação dos atores (SAG)
reposicionaram na disputa “Conclave”, de Edward Berger, sobre uma
reunião de cardeais para a eleição de um novo Papa. Encenado com esmero
(mas Berger não concorre entre os diretores) e interpretado em chave
alta por elenco encabeçado por Ralph Fiennes (merecidamente indicado),
seu calcanhar de Aquiles se encontra no enredo originado de um romance
de Robert Harris. Como ainda é possível estruturar uma trama de forma
tão eurocêntrica e preconceituosa, poupando detalhes em respeito a quem
ainda pretenda assisti-lo? Pasme-se que o roteiro adaptado de Peter
Straughan já tenha vencido o BAFTA, o Globo de Ouro e pareça ter
garantido o Oscar.
Ainda mais imprevisível é o prêmio
para melhor documentário de longa-metragem. Os concorrentes são
“Diários da Caixa Preta”, sobre a agressão sexual de que foi vítima a
diretora Shiori Itô (menção no É Tudo Verdade 2024); “No Other Land”, de
Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor, sobre a
destruição por tropas israelenses de um vilarejo palestino, anterior à
atual escalada macabra no Oriente Médio; “Guerra de Porcelana”, de
Brendan Bellomo e Slava Leontyev, a respeito da guerra russa na Ucrânia;
“Sugarcane: Sombras de Um Colégio Interno”, em que Emily Kassie e
Julian Brave NoiseCat investigam abusos e desaparecimentos numa escola
canadense para indígenas; e “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”,
ensaio de Johan Grimonprez sobre jazz, Guerra Fria e o assassinato do
líder congolês Patrice Lumumba em 1961.
Não seremos só nós que assistiremos ao Oscar na ponta das poltronas.