Por Amir Labaki
É virada de ano. Perdoa-se um tanto de
descompromisso. A oportunidade me parece perfeita para lembrar uma lista
algo diferente das costumeiras do período.
Há um quarto de século o cineasta, crítico e
curador Peter Bogdanovich (1939-2022) lançava “Peter Bogdanovich’s Movie
of The Week – 52 Classics For One Full Year” (O Filme da Semana de
Peter Bogdanovich – 52 Clássicos para Um Ano Inteiro, Ballantine Books,
210 págs, US$ 15, sem edição brasileira). O guia não tinha a pretensão
de uma escolha dos melhores filmes da história ou sequer da meia centena
dos preferidos do diretor de “A Última Sessão de Cinema” (1969).
O livro surgiu de uma coluna jornalística
mantida por Bogdanovich no finado semanário New York Observer
(1987-2016) com uma dica semanal destacando um filme que seria exibido
pelas redes americanas de televisão. Lembre-se, eram poucos os canais
por assinatura, não havia streamings e a incontável oferta online de
títulos para fruição imediata.
“Eu escolhia em geral ou o filme que eu achava
ser o melhor ou aquele sobre a qual me sentia mais impelido a escrever
naquele momento”, explicou o cineasta na introdução. “Meu objetivo
principal era manter o interesse do leitor-espectador semana após
semana, variando entre comédias, dramas, diretores, estrelas, assuntos,
num fluxo que seria continuamente divertido e agradável”. Ao final de
cada resenha no livro, ele acrescentou outras sugestões de obras na
mesma pegada dos realizadores.
Como a coluna se estendeu por mais de um ano e
repetições de diretores naturalmente sinalizavam evidentes preferências,
para readequar o conjunto para os limites de um calendário anual
Bogdanovich estabeleceu uma regra de limitar sua seleção a “três ou
quatro títulos” de um mesmo diretor. Com o número máximo de filmes
encontramos, assim, John Ford (Depois do Vendaval, O Homem Que Matou o
Facínora, Mogambo, Como Era Verde Meu Vale) e Howard Hawks (Uma Aventura
na Martinica, Paraíso Infernal, Levada da Breca, Suprema Conquista).
Emplacaram três indicações George Cukor (A Costela de Adão, À Meia Luz,
Boêmio Encantador), Alfred Hitchcock (Interlúdio, Pacto Sinistro,
Intriga Internacional), Ernst Lubitsch (O Diabo Disse Não, A Viúva
Alegre, A Loja da Esquina), Jean Renoir (A Grande Ilusão, O Crime do
Senhor Lange, As Regras do Jogo), Preston Sturges (As Três Noites de
Eva, Papai por Acaso, Mulher de Verdade) e, claro, Orson Welles (Cidadão
Kane, Soberba, Otelo).
Bogdanovich não seguiu o mesmo critério
restritivo quanto a protagonistas. Ainda assim, apenas treze aparecem
mais de uma vez. Há notáveis predileções: Cary Grant estrela sete
filmes, Joseph Cotten e Orson Welles (um como narrador), quatro,
Katharine Hepburn e James Stewart, três.
Baseada na oferta televisiva do final do século
passado, a lista carrega incontornáveis sinais do tempo. O próprio
resenhista se desculpa, por exemplo, “da falta de filmes com estrelas
negras ou diretores negros” e da “inclusão de um único filme dirigido
por uma mulher (Elaine May)”, no caso sua comédia de estreia, “O Caçador
de Dotes” (1970), protagonizada por ela mesma ao lado de Walter
Matthau.
Justificando-se com o fato de o livro ter como
público-alvo o espectador comum, e não o cinéfilo, Bogdanovich se
desculpa por haver “muito menos filmes mudos e estrangeiros (isto é, em
língua não-inglesa) do que poderia preferir”. Da era muda, há apenas
quatro indicações: “O Garoto” (1921), de Charles Chaplin, “Robin Hood”
(1922), de Allan Dwan, “Marinheiro de Encomenda” (1928), de Buster
Keaton, e “A Turba” (1928), de King Vidor. Já as obras faladas em outro
idioma que não o inglês são apenas sete: os três filmes de Renoir, “O
Anjo Azul” (1928), de Josef von Sternberg, “Contos da Lua Vaga” (1953),
de Kenji Mizoguchi, “Roma, Cidade Aberta” (1945), de Roberto Rossellini,
e “O Desprezo” (1963), de Jean-Luc Godard. Ainda mais decepcionante é a
ausência de animações e de documentários entre as dicas.
As décadas mais generosamente representadas são
as de 1940 (18 filmes) e 1950 (13). Bogdanovich tem duas explicações. A
primeira, como crítico, era que ele buscava, naquele ocaso do século
20, combater “a ênfase excessiva na cultura americana sobre o novo” e
“reequilibrar a balança” em favor da produção “entre 1920 e 1960, a
verdadeira era de ouro dos filmes”. A segunda, pessoal, relaciona “a
preponderância de filmes dos anos 1940 e 1950” ao fato de ser este o
cinema de seus anos de formação.
Ponderações e limites fixados, há muito prazer a
partilhar do guia bogdanovichiano. Se você aceitar o convite, estando
quase toda a lista disponível em plataformas de streaming ou em DVDs, o
programa para este mês de janeiro seria “Sinfonia de Paris”, de Vincente
Minelli, “As Três Noites de Eva”, de Sturges, “Cupido É Moleque
Teimoso” (1937) de Leo McCarey, “Uma Aventura na Martinica”, de Hawks, e
“Anatomia de um Crime” (1959), de Otto Preminger. Nada mal: um musical,
duas comédias (mais ou menos) românticas, um policial e um filme de
tribunal. Feliz ano novo -e até fevereiro!