Por Amir Labaki
“Houston, we have a
problem”. Assim, mesmo em inglês, a frase entrou no jargão popular,
desde 1995, citando o alarme soado pela voz de Tom Hanks no papel do
astronauta Jim Lovell em “Apollo 13: Do Desastre ao Triunfo”, de Ron
Howard, ao constatar a explosão que colocou em risco, em abril de 1970, a
terceira missão espacial da NASA com o objetivo de pousar na Lua. O
documentário “Apollo 13: Sobrevivendo no Espaço”, de Peter Middleton,
lançado neste mês pela Netflix, reconstitui agora a partir de
inacreditável material de arquivo, e naturalmente pontuais
reconstituições, um dos episódios cruciais do programa espacial dos EUA.
Logo na sequência inicial,
Middleton adianta o momento do acidente com a gravação documental do
alerta de Lovell. A tradução brasileira é a mesma da versão ficcional,
perdendo uma nuance. O que Lovell disse mesmo foi: “Ah, Houston, we’ve
had a problem”.
Em comum, a mesma edição dramática
frente ao evento original: a frase do astronauta repetia o que, na
verdade, um de seus dois colegas de missão, Jack Swigert, anunciara
primeiro, no contato com a base terrestre em Houston, Texas: “We’ve had a
problem here”. Cinema é isso, condensação para maior efeito dramático,
em ficção ou documentário.
É incrível que o filme de
Middleton consiga manter a tensão de uma história largamente conhecida
do grande público depois de apresentada com enorme competência
(incluindo Oscars de edição e de som) pelo blockbuster de Howard. O
desafio é vencido pelo documentário ao apresentar a mesma sequência de
eventos críticos a partir de registros visuais e sonoros e de extensos
depoimentos orais dos protagonistas.
São suas vozes que nos guiam,
apoiadas regularmente por falas preservadas do calor da hora, de dentro
da Apollo 13 e da central em Houston, assim como da extensa cobertura
telejornalística, dispensando-se assim o recurso à narração onisciente.
Os mais impressionantes testemunhos são do trio de astronautas, Jim
Lovell, Fred Haise e Jack Swigert, substituto este, na última hora, de
Ken Mattingly, afastado por sarampo. (No filme de Howard, interpretados
respectivamente por Tom Hanks, Bill Paxton, Kevin Bacon e Gary Sinise).
Da equipe responsável pela missão e
pelo heroico resgate, destaca-se o depoimento do diretor do voo Gene
Kranz, que em imagem e tom agiganta a interpretação ficcional dele por
Ed Harris. Quanto às famílias do trio no espaço, o foco se concentra nos
Lovell, com tocantes lembranças das filhas Barbara e Susan e
inesquecíveis recordações da mulher de Jim, Marilyn, que faleceu no ano
passado e a quem o documentário é dedicado. É dela a síntese de todo o
episódio: “Durante quatro dias eu não sabia se era uma esposa ou uma
viúva".
O maior âncora dos telejornais
americanos da época, Walter Cronkite (1916-2009), era também um craque
em fórmulas definitivas. “O maior drama que já aconteceu no espaço”,
cravou ao apresentar o acidente. A missão foi uma sucessão de
infortúnios: a falência de um dos cinco motores logo após a decolagem; a
explosão após pouco mais de 55 horas de voo de um tubo de oxigênio num
dos módulos, provocando avarias que inviabilizaram a descida à Lua e
obrigaram o retorno à Terra; a escassez resultante de água, oxigênio e
energia elétrica, a exigir gambiarras para garantir a sobrevivência, a
uma temperatura de apenas três graus; uma inédita manobra manual de
correção de curso; a incerteza quando à preservação do escudo térmico
para a reentrada na atmosfera da Terra.
O filme de Middleton recupera
ainda como o destino da Apollo 13 retonificou o interesse geral
declinante pelo programa espacial, após a pioneira visita lunar pela
Apollo 11 em julho de 1969, tema de um documentário impecável de Todd
Douglas Miller em 2019 (disponível para aluguel em streaming). São
impressionantes as filmagens de multidões enchendo a Grand Central
Station, em Nova York, e a Praça de São Pedro, no Vaticano, acompanhando
a conclusão do suspense espacial.
Mesmo a repercussão no Brasil é
possível inferir por uma sequência filmada, no dia após o retorno,
destacando a cobertura pela imprensa do Rio de Janeiro. Três primeiras
páginas surgem em close. Em O Globo, a manchete ocupava duas linhas, com
“Deus Nosso Pai, Muito Obrigado” em letras garrafais, acima de uma foto
dos astronautas resgatados. A capa do Jornal do Brasil anunciava também
em manchete: “Nixon Afirma Que Vôos Tripulados À Lua Continuam”. O
Correio da Manhã estampava, por sua vez, em três linhas gigantes: “Nada
Mudou: Nixon Exige A Lua de Novo”.
Uma panorâmica exibia, no exterior
de uma banca carioca, outros cinco jornais com primeiras páginas com
similar destaque. Também em jornalismo, o mundo em que vivíamos era bem
outro.