Por Amir Labaki
Quando
eu era criança, no final dos anos 1960, o máximo elogio de minha mãe à
beleza de um homem era ele “ser um Alain Delon”. Não um Paul Newman ou
um Steve McQueen. Tampouco um Marcelo Mastroianni ou um Tarcísio Meira.
Um Delon.
Foi
ele a mais planetária das estrelas masculinas francesas de cinema, com o
apogeu entre o começo dos anos 1960 e meados dos 70. Sua homóloga
feminina foi, claro, Brigitte Bardot, que iniciou seu reinado meia
década antes e, à moda Greta Garbo, o encerrou voluntariamente com a
aposentadoria precoce no início dos anos 1970.
Uma
diferença capital: Alain Delon (1935-2024) filmou mais, superando a
centena de títulos, frente a menos da metade de BB. Até uma década
atrás, ele manteve o ritmo anual de sua presença nas telas, mesmo que
quase exclusivamente se dedicando neste século à televisão.
Há
cerca de três anos, quando da morte de Jean-Paul Belmondo (1933-2021),
comparei-lhes as trajetórias e personas fílmicas no topo do estrelato
francês. No auge, estrelaram juntos um único filme: o paródico
“Borsalino” (1970), de Jacques Deray, um estouro de bilheterias que
teria inspirado George Roy Hill a rodar “Golpe de Mestres” (1973). Em
1998, voltaram por uma última vez a partilhar os créditos e as cenas
como figuras paternais de Vanessa Paradis numa comédia de mafiosos
russos, rotineira mas simpática, “Duas Chances por Uma”, de Patrice
Leconte.
Quase
contemporâneos, Delon e Belmondo dividiram o trono herdado na sucessão
de Jean Gabin (1904-1976). É belo e didático como os dois repartiram
pontualmente os créditos com o ator essencial da cinematográfica
clássica.
Ainda
um ator em ascensão, Belmondo contracenou com Gabin em “Macaco no
Inverno” (1962), um drama duplamente sobre a paternidade dirigido pelo
popular e subestimado Henri Verneuil (1920-2002). No filme seguinte do
mesmo Verneuil, “Gângsters de Casaca” (1963), eis um Delon recém alçado
ao estrelato mundial interpretando o jovem parceiro de um veterano
ladrão, Gabin naturalmente, tentando um último grande golpe na Riviera
francesa. Tanto gostaram que repetiram outras duas vezes (Os Sicilianos,
1969; Dois Homens Contra Uma Cidade, 1973).
Antes de pedir a
benção nas telas a Gabin, sem qualquer preparo formal (ao contrário de
Belmondo), Delon já protagonizara uma das consagrações mais meteóricas
do cinema. Meia dúzia de produções menores e, voilà, “O Sol Por
Testemunha” (1960), adaptado de Patricia Highsmith por René Clement
(1913-1996), com Delon desafiando o jogo tradicional das identificações
arrebatando como o cruel sedutor Tom Ripley.
Numa trinca de
anos, entre papéis de ocasião, a explosão mundial completava-se com o
decisivo encontro com o rigor aristocrático de Luchino Visconti
(1906-1976), em “Rocco e Seus Irmãos” (1960) e “O Leopardo” (1963), e a
colaboração minimalista com o Antonioni (1912-2007) do auge em “O
Eclipse” (1962). Delon logo de saída comprovava dominar uma paleta muito
mais ampla do que a do galã hipnoticamente belo.
Liberto
do estreito figurino, Alain Delon curiosamente aplicou-se numa opção
preferencial por um gênero, o cinema policial, e um estilo
interpretativo, glacial e melancólico: olhos de aço, gestos estudados,
falas econômicas, raros sorrisos. A tripla parceria com Jean-Pierre
Melville (1917-1973) completaria a afinação deste instrumento.
O
evento supremo da colaboração é “O Samurai” (1967), um filme policial
seco e elíptico, impecavelmente escrito e coreografado. Como o matador
de aluguel solitário e perseguido, Delon transcende a dimensão dos
grandes personagens para criar uma figura lendária, como Toshiro Mifune
em “Os Sete Samurais” (1954), John Wayne em “Rastros de Ódio” (1956), ou
a sempre soberba Gena Rowlands (1930-2024), de quem também nos
despedimos na semana passada, na tocante filmografia que construiu ao
lado de John Cassavetes (1929-1989).
Fiel
às suas preferências, Delon não foi contudo avesso ao risco. A elétrica
contenção era a mesma em personagens os mais distintos, para cineastas
de registros tão diferentes quanto Zurlini (A Primeira Noite de
Tranquilidade, 1972) e Losey (Cidadão Klein, 1976), Schloendorff (Um
Amor de Swann, 1984) e Godard (Nouvelle Vague, 1990).
Até
Hollywood ele tentou, começando bem com o modesto “A Marca de Um Erro”
(1965), de Ralph Nelson. Nunca souberam o que fazer com ele, “Aeroporto
79: O Concorde” (1979), de David Lowell Rich, está aí para provar.
Alain
Delon foi idolatrado muito antes do que criticamente reconhecido. Sua
fortuna, orgulhava-se, a fez como homem de negócios, tornando-se marca
de roupas e vinhos, óculos e relógios, e um longo etc. Declarações
reacionárias, histórias nebulosas e querelas familiares turvaram-lhe a
imagem ainda antes da virada de século.
Mesmo
Cannes apenas em 2019 lembrou de celebrá-lo com uma Palma de Ouro
honorária. “É uma homenagem quase póstuma, mas em vida”, ironizou ele.
Dois anos depois, filas esticaram por meses o lançamento no Film Forum
de Nova York da cópia restaurada de “A Piscina” (1969), de Jacques
Deray. A paixão real então vivida entre ele e Romy Schneider ainda
incandesce a tela. Engana-se quem acha que algo tão prosaico como a
morte importune Alain Delon.