Por Amir Labaki
A febre quadrienal das Olimpíadas
me apanhou de novo. Maratonista televisivo, o sono vai para o espaço. A
síndrome de abstinência inicia-se neste domingo com o encerramento dos
XXXIII Jogos Olímpicos em Paris. Não raro, bate antes, ainda durante a
competição, no longo período de espera entre o fim da tarde e a
madrugada, como dita a diferença de fuso horário.
Um site do Comitê Olímpico Internacional (COI), no endereço www.olympics.com,
oferece um santo remédio. Quase todos os mais de 40 documentários
oficiais realizados por encomenda, tanto para os Jogos de verão quanto
para os de inverno, estão lá gratuitamente disponíveis, com legendas
múltiplas, inclusive em português.
A série começa com a
reconstituição em documentário da quinta Olímpiada, em 1912 em Estocolmo
(Suécia), e segue com os primeiros jogos de inverno, em 1924 em
Chamonix (França). Encerra-se com o documentário dirigido por Breno
Silveira sobre os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, em 2016, e a
competição olímpica de inverno de 2018 em PyeongChang (Coréia do Sul)
pelas lentes de Seung-Jun Yi.
Entre as principais ausências, das
disputas mais populares de verão, destacam-se os registros dos segundos
Jogos parisienses, há exatamente um século; “Olympia”, o tão influente
quanto polêmico documentário rodado por Leni Riefenstahl sobre as
Olimpíadas na Berlim nazista em 1936; e o díptico mais recente (Lado A e
Lado B, 2022), dirigido por Naomi Kawase sobre os Jogos de Tóquio
(Japão) em 2021, adiados um ano devido à pandemia de covid-19.
Como sempre em conjuntos de filmes
de origem institucional, há obras que marcaram a história do
documentário esportivo e títulos mais convencionais. A saga dos
bastidores de uma das produções ainda dos tempos do cinema silencioso me
parece imbatível. Em 1928, para a nona Olimpíada, em Amsterdã
(Holanda), as filmagens foram confiadas pelo comitê olímpico holandês ao
Instituto Nacional LUCE, da Itália já fascista de Mussolini. Frente à
grande oposição da imprensa e da indústria cinematográfica da Holanda, a
LUCE associou-se para a produção ao renomado estúdio alemão UFA, ainda
antes de seu controle pelos nazistas com a ascensão em 1933 de Hitler.
Vetada a versão italiana pelos holandeses, o documentarista germânico
Wilhelm Prager realizou uma nova versão em longa-metragem (Jogos
Olímpicos: Amsterdã 1928) ao lado do editor e publicitário holandês
Jules Perel, então oficialmente aprovada e distribuída, sendo restaurada
em 2016 pelo COI.
Outra grande história atrás das
câmeras marca “As Olimpíadas no México” (1969), a única destas produções
indicadas ao Oscar de melhor documentário. Antes de tornar-se cineasta,
seu diretor, Albert Isaac, concorreu na equipe de nadadores mexicanos
dos Jogos de 1948 (Londres, Inglaterra) e 1952 (Helsinque, Finlândia).
Seu filme diferencia-se pela ampla cobertura de provas as mais diversas,
pela atenção com todos os participantes, para muito além dos
vencedores, e pelo drible na utópica neutralidade política exigida pelo
COI, com o destaque ao protesto antirracista dos velocistas
afro-americanos Tommie Smith e John Carlos, punhos erguidos, com luvas
pretas, em pleno pódio, durante a execução do hino dos EUA. (Em 2012,
Ugo Giorgetti realizou um belo documentário enfatizando a dimensão
política ainda mais ampla daqueles primeiros Jogos na América Latina,
"México 1968 – A Última Olimpíada Livre").
Dois filmes disputam para mim a
medalha de ouro de melhor documentário olímpico entre os produzidos pelo
COI. O primeiro é “Tokyo Olympiad” (Olimpíadas de Tóquio, 1965), sobre
os Jogos de 1964, dirigido por Kon Ichikawa. Um dos grandes jornalistas
americanos a escrever sobre esportes, George Plimpton, foi certeiro: sua
ideia central “era apresentar uma imagem fragmentada dos Jogos, em vez
de um documentário noticioso (...) Ichikawa presta sempre muita atenção a
assuntos de pequena importância. Muitos close-ups. Um rosto exausto.
Uma bandeira tremulante. Uma consideração notável é dada aos pés, aos
tênis de corrida, (...) exaltando aquela parte do corpo que simboliza a
natureza física dos Jogos”.
A segunda obra-prima é a produção
mais heterodoxa da coleção. “Visions of Eight” (Visões de Oito, 1973),
como adianta o título, é um mosaico por renomados cineastas, de origens e
estilos distintos, sobre as trágicas Olimpíadas de Munique (Alemanha)
de 1972. O massacre por terroristas palestinos de onze atletas e
treinadores israelenses aparece, de forma sutil e contundente, apenas no
último episódio, “The Longest” (A Mais Longa), em que John Schlesinger
retrata a maratona a partir da experiência de um modesto competidor
britânico.
A originalidade do conceito vinga
apesar do natural desnível entre as partes. A sequência apresenta as
contribuições do russo Yuri Ozerov (O Começo, sobre os momentos logo
antes das provas), da sueca Mai Zetterling (O Mais Forte, sobre os
levantadores de peso), do americano Arthur Penn (O Mais Alto, sobre o
salto com vara), do alemão Michael Pfleghar (As Mulheres, sobre as
ginastas), do mesmo japonês Kon Ichikawa (O Mais Rápido, sobre a corrida
de cem metros), do tcheco Milos Forman (O Decatlo), do francês Claude
Lelouch (Os Perdedores), e do britânico Schlesinger.
Acredite: emoção é o que não falta mesmo para os atletas de poltrona.