Por Amir Labaki
Por
lentes italianas, o Brasil volta neste ano às telas do Il Cinema
Ritrovato, o principal evento mundial dedicado ao cinema de patrimônio,
organizado pela Cinemateca de Bolonha, que acontece deste sábado (dia
22) ao outro domingo (30). A pré-abertura de sua 38ª edição, na terça
(18), apresenta na Piazza Maggiore nada menos que a versão restaurada de
“Intriga Internacional” (1959), o thriller dos thrillers de Alfred
Hitchcock.
Faz sua estreia na
quarta (26) a cópia recém-restaurada de “Trópicos” (1968), o único
longa-metragem realizado por aqui por Gianni Amico (1933-1990), o
cineasta italiano mais próximo da geração brasileira do Cinema Novo.
Como organizador e curador, Amico foi um dos principais divulgadores
internacionais da escola que renovou o cinema brasileiro na década de
1960 em eventos como a mostra de cinema latino-americano de Santa
Margherita Ligure (1960-1965), e dos festivais de Porretta Termine e
Pesaro.
Como realizador,
entre colaborações com Bertolucci (Antes da Revolução), Godard (Vento do
Leste) e Glauber Rocha (Der Leone Have Sept Cabeças), Amico veio ao
Brasil em fins dos anos 1960, dirigindo documentários curtos para a RAI,
como “Jovens Brasileiros” (1967) e “Ah! Vem o Samba” (1968), antes de
mergulhar em sua estreia em longa-metragem com “Tropici”. Protagonizado
por Joel Barcellos, Janira Santiago e Antonio Pitanga, acompanha o que o
próprio Amico resumiu como “a história de um grupo de pessoas que passa
da escravidão ao capitalismo internacional”. Ao combinar o entrecho
ficcional a “clips documentais”, “a ideia geral no filme”, explica o
diretor, “é que o subdesenvolvimento consiste de muitas coisas, mas
acima de tudo do subdesenvolvimento da consciência”.
Cinco
cineastas ganham focos mais extensos. Outro judeu russo a sentar praça
em Hollywood, Anatole Litvak (1902-1974) tem por título hoje mais
célebre talvez “Uma Vida Por Um Fio” (1948), que levou Barbara Stanwyck a
uma indicação ao Oscar, e “Anastasia, A Princesa Esquecida” (1956), que
valeu a Ingrid Bergman a primeira estatueta da Academia. Somados a
títulos como “Uma Canção Para Você” (1941) e “Decisão Antes do
Amanhecer” (1951), o ciclo intitulado “Jornadas Pela Noite” sustenta
como marca essencial de seu cinema “a bida como metáfora por atravessar a
noite, esperando pela luz do dia”, segundo o curador Ehsan Khoshbakht.
Apresentado
como “Uma Testemunha Incômoda”, o italiano Pietro Germi (1914-1974)
firmou-se como dos mais populares diretores a fazer com sucesso a
transição do Neorrealismo (Juventude Perdida, 1947) à comédia de sucesso
internacional (Divórcio à Italiana, 1962). Também atravessando bem
épocas distintas, da era muda ao filme sonoro, o finlandês de nascimento
Gustav Molander (1888-1973) ultrapassou no cinema sueco a marca de 70
filmes em meio século, conquistando o epíteto de “O Diretor de Atrizes”
em obras como “A Mulher Que Vendeu A Alma” (1938), com Ingrid Bergman
antes da carreira internacional, e “Desafio” (1952), que revelou Harriet
Andersson um ano antes da consagração com “Mônica e o Desejo” de Ingmar
Bergman.
Praticamente
desconhecido no Ocidente, Kozaburo Yoshimura (1911-2000) é apresentado
como “um dos mestres negligenciados do cinema clássico japonês”. Da
mesma geração de Kurosawa, mas mais próximo em sensibilidade a
Mizoguchi, sua especialidade são melodramas desenvolvidos durante a
rápida modernização no imediato pós-guerra. Títulos como “Irmãs de
Nishijin” (1952) e “Corrente Subterrânea” (1956) levaram o principal
crítico nipônico, Tadao Sato, a sustentar que “sua grande força são os
filmes realistas, baseados numa compreensão detalhada da estrutura
social”.
Bolonha convida
ainda a conhecer, no centenário de seu nascimento, o primeiro e menos
conhecido período da filmografia de Serguei Paradjanov (1924-1990). De
família armênia mas nascido na Geórgia, foi na Ucrânia então também sob
jugo soviético que se lançou como filmes como “Andriesh” (1954), “O
Primeiro Filho” (1958) e “Rapsódia Ucraniana” (1961), até sua grande
revelação ao mundo com “Os Cavalos de Fogo” (1965), firmando seu estilo
baseado em folclore, canções e danças.
Il
Cinema Ritrovato convida ainda a revisitar os clássicos de Marlene
Dietrich (1901-1992) e cinco dos filmes que nos anos 1970 ampliaram a
paleta feminista da atriz (e diretora) francesa Delphine Seyrig
(1932-1990). Um ciclo batizado “Dark Heimat” (Pátria Sombria) reúne
produções pós-1945 da Alemanha Federal e da Áustria em que pulsa o
desassossego, como “Sombras Misteriosas” (1949), do imenso G. W. Pabst e
“Montanha de Cristal” (1949), de Harald Reinl.
Além
de foco nas safras de 1904 e de 1924 e de uma mostra com experimentos
pioneiros com o cinema colorido em bitolas amadoras, o festival italiano
celebra na seção Documentos e Documentários o centenário do cineasta
americano Lionel Rogosin (On The Bowery, 1956) e o principal mestre
não-ficcional afro-cubano, Nicolás Guillén Landrián (Ociel del Toa,
1965). Às vésperas de completar quatro décadas, Il Cinema Ritrovato
reafirma o quanto a história do cinema ainda nos tem a revelar.