Por Amir Labaki
Tudo aponta para que o 77º
Festival de Cannes, que começa na próxima terça (14), será uma edição de
revelações mais do que de tradicionais nomes reafirmados. O primeiro
sinal surge já no filme de abertura, a comédia romântica francesa “Le
Deuxième Acte” (O Segundo Ato), do cineasta e músico eletrônico Quentin
Dupieux, com apenas uma presença prévia na Croisette.
Entre os 22 concorrentes à Palma
de Ouro, somente dois já a receberam anteriormente. Com “Megalopolis”,
cuja produção bancou do próprio bolso, Francis Ford Coppola retorna à
disputa que, há exato meio século, venceu com “A Conversação” (1974) e,
cinco anos depois, com “Apocalipse Now” (1979), prêmio este dividido com
“O Tambor” de Volker Schlöndorff. Vitorioso em 2015 com “Dheepan: O
Refúgio”, o francês Jacques Audiard volta ao páreo com “Emilia Pérez”,
uma comédia musical passada no México.
É notável que, entre os diretores
com maior experiência em Cannes entre os competidores, se filie o
brasileiro Karim Aïnouz. Desde a estreia na mostra paralela Un Certain
Regard com “Madame Satã” em 2002, ciclo paralelo que venceu há quatro
ano com “A Vida Invisível”, Aïnouz distingue-se agora com sua sexta
participação na seleção oficial, concorrendo à Palma de Ouro com “Motel
Destino”, como o fizera no ano passado com o drama histórico
“Firebrand”, seu primeiro filme em língua inglesa (ainda inédito
comercialmente por aqui).
Conta-se em pouco mais que uma
mão, entre os concorrentes, os cineastas com similar currículo de peso
no Palácio do Festival: a britânica Andrea Arnold (Bird), o canandense
David Cronenberg (The Shrouds), o português Miguel Gomes (Grand Tour), o
francês Christophe Honore (Marcello Mio), o chinês Jia Zhang-Ke (Caught
By The Tides), o americano Paul Schrader (Oh Canada), o russo Kirill
Serebrennikov (Limonov -The Ballad), o italiano Paulo Sorrentino
(Parthenope).
A participação feminina é
curiosamente maior no júri oficial, presidido por Greta Gerwig (Barbie) e
com maioria de mulheres, do que na competição pela Palma, com apenas
quatro cineastas: a citada Arnold, as francesas Coralie Fargeat (The
Substance) e Agathe Riedinger (Diamant Brut) e a indiana Payel Kapadia
(All We Imagine As Light). Por falar em desequilíbrio, o eurocentrismo
se impõe mais uma vez, com nada menos que treze produções do continente
para 22 títulos na disputa.
Concorrência principal à parte, a
seleção é pródiga em apostas seguras para preferências variadas. Quase
uma década depois de roubar a cena com a ressurreição de sua saga
pós-apocalíptica com “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015), George Miller
tenta repetir a mágica lançando fora de concurso o “prequel” “Furiosa:
Uma Saga Mad Max”.
O baú de Godard se abre mais uma
vez para a estreia em Cannes Classics do projeto em que trabalhava antes
de abraçar o adeus em 2022, “Scénarios”. A abertura do ciclo dedicado
ao cinema de repertório do festival, que celebra sua 20ª edição,
apresenta com pompa e circunstância a versão restaurada da primeira
parte de nada menos que “Napoleão” (1927), de Abel Gance. A mostra
celebra ainda a carreira da produtora Lucy Barreto, nos 60 anos de
atividade ao lado do produtor Luiz Carlos Barreto na L C Barreto, com
uma sessão especial de “Bye Bye Brasil” (1980), de Cacá Diegues.
O Brasil aparece bem na foto de
Cannes 2024. Além da homenagem aos Barreto e de Aïnouz na disputa
principal, “Amarela”, de André Saito, concorre à Palma de Ouro de
curtas-metragens; o longa-metragem “Baby”, de Marcelo Caetano, e o curta
de animação “A Menina e o Pote”, de Valentina Homem, disputam a mostra
paralela Semana da Crítica. Inspirado pelo livro homônimo do xamã
yanomami Davi Kopenawa e do antropólogo francês Bruce Albert, Eryk Rocha
e Gabriela Carneiro da Cunha participam com “A Queda do Céu” da
Quinzena de Cineastas. E “Lula”, radiografia da queda e da volta por
cima do presidente brasileiro por Oliver Stone e Rob Wilson, ganha o
tapete vermelho em Sessão Especial.
Distribuída pelas diversas
mostras do festival, a parruda safra de documentários encorpa a disputa
pelo Olho de Ouro com novas obras de mestres como Nanette Burnstein
(Elizabeth Taylor: The Lost Tapes), Sergei Loznitsa (L’Invasion), Rithy
Panh (Rendez-Vous Avec Pol Pot), Raoul Peck (Ernest Cole, Photographe),
Claire Simon (Appreende) e Yolande Zauberman (La Belle de Gaza). Por sua
vez, honra o É Tudo Verdade ser pelo sexto ano consecutivo um dos 13
festivais de não-ficção que são parceiros oficiais de Cannes Docs, o
setor dedicado à produção documental do Mercado do Filme do festival.
Adicionando uma nova disputa para
produções em realidade virtual, a festa inicia com três vitoriosos já
anunciados. Palmas de Ouro de Honra homenageiam George Lucas, Meryl
Streep e, pela primeira vez para uma instituição coletiva, ao japonês
Ghibli Studio, liderado pelo genial Hayao Miyazaki (A Viagem de
Chihiro).
Num mundo em transe, por doze dias
Cannes convida-nos a elevar os olhares para o firmamento do cinema.
Como na cena da “Rapsódia em Agosto” (1990) de Kurosawa celebrada pelo
poster deste ano. Tomara vingue a metáfora.
