Por Amir Labaki
O ano cinematográfico inicia-se
com a intensificação da corrida para o Oscar 2024. No próximo dia 23
serão conhecidas as indicações pela Academia de Artes e Ciências
Cinematográficas de Hollywood.
A disputa se intensificou no
apagar das luzes de 2023, com o anúncio em 21 de dezembro passado da
lista de semifinalistas em dez categorias. Infelizmente o cinema
brasileiro não emplacou nenhum concorrente, com seu mais forte
candidato, o ensaio documental “Retratos Fantamas” de Kléber Mendonça
Filho ficando de fora das disputas de melhor longa internacional e
melhor documentário de longa-metragem.
Poucas surpresas marcam a lista
dos 15 semifinalistas a melhor longa documental. A maior talvez tenha
sido a exclusão de três mestres, Errol Morris e “O Túnel dos Pombos”
(Apple TV), Frederick Wiseman e “Menus Plaisirs – Les Troigros” e Wim
Wenders e “Anselm”. Wenders ao menos conquistou uma vaga para finalmente
tentar seu primeiro Oscar com sua homenagem ao mestre japonês Ozu em
“Dias Perfeitos”, representando curiosamente o Japão, e não sua Alemanha
natal.
Isolada representante da América
do Sul na nova fase da disputa, a cineasta chilena Maite Alberdi (Agente
Duplo, 2021) pode conquistar sua segunda indicação com o drama familiar
“A Memória Infinita”. Celebre-se também o equilíbrio de gênero entre os
semifinalistas, com sete dos selecionados dirigidos por mulheres. Pena,
contudo, que uma das mais premiadas produções trans do ano, “Kokomo
City – A Noite Trans De Nova York” de D. Smith, não tenha se confirmado
entre os quinze classificados.
Num Oscar ainda sem franco
favorito, “Jon Batiste: American Symphony” (Netflix), de Matthew
Heineman, e “Still: Ainda Sou Michael J. Fox” (AppleTV), de Davis
Guggenheim, consolidam suas chances de situarem ao menos entre os cinco
finalistas da categoria. Seria a segunda indicação para Heineman (Cartel
Land, 2016), enquanto Guggenheim já conquistou seu Oscar com “Uma
Verdade Inconveniente” (2006).
Outro concorrente imerso na
história hollywoodiana é “Desperate Souls, Dark City and the Legend of
Midnight Cowboy”, que pode valer um prêmio póstumo a Nancy Buirski
(1945-2023). Os bastidores da realização de um dos marcos da chamada
Nova Hollywood da virada dos anos 1960 para os 70, “Perdidos da Noite”
(1969) de John Schlesinger (1926-2003), vencedor do Oscar de melhor
filme de 1970, convidam a uma discussão sobre a atmosfera da época,
entre os protestos pela Guerra no Vietnã, o auge da contracultura, a
ascensão do feminismo e das batalhas pelos direitos dos afro-americanos e
da comunidade LGBTQIA+.
A luta antirrascista nos EUA está
ao centro de dois semifinalistas. “Going to Mars: The Nikki Giovanni
Project” (HBO, ainda inédito por aqui), de Michèle Stephenson e Joe
Brewster, celebra a obra e a militância da poeta afro-americana. Já
Roger Ross Williams, vencedor do Oscar por “Life, Animated” (2017),
parte dos escritos de Ibram X. Kendi para o ensaístico “Marcados: A
História do Racismo nos EUA” (Netflix).
Dois estudos de caso em torno de
jovens mulheres dialogam com meio mundo de distância. Em “Apolonia,
Apolonia”, uma espécie de romance de formação de um artista dinamarquesa
é acompanhada por mais de uma década pela câmera da diretora Lea Glob.
Por sua vez, a partir do triplo estupro de uma adolescente, Nisha Pahuja
radiografa em “To Kill A Tiger” os percalços cotidianos no combate
contra a complacência social frente à violência contra a mulher na
Índia.
Um ano após o triunfo de
“Navalny”, (HBO) de Daniel Roher, crises internacionais reafirmam-se ao
centro das produções destacadas pela Academia. “20 Dias em Mariupol”, do
ucraniano Mstyslav Chernov, e “In The Rearview”, do polonês Maciek
Hamela, devassam a crueldade da guerra de Putin na Ucrânia.
Madeleine Gavin, por sua vez,
reconstitui em “Além da Utopia” a saga de uma tentativa familiar de fuga
do pesadelo totalitário de Kim Jong-un na Coréia do Norte. Derrubar
outro regime antidemocrático é o que se busca na campanha presidencial
de um músico pop em “Bobi Wine: O Presidente do Povo”, de Moses Bwayo e
Christopher Sharp.
Formando com “Memória” e
“Symphony” uma espécie de tríptico sobre questões existenciais
catalisadas por desafios de saúde, “A Still Small Voice”, de Luke
Lorentzen, acompanha um ano de treinamento para capelã num hospital
americano. Sim, um exercício de cinema direto com ecos para nós da
escola da escuta do grande Drauzio Varela.
Do ponto de vista da originalidade
formal, distintos em tudo o mais, destacam-se “A Quatro Filhas de
Olfa”, de Kaouther Ben Hania, e “32 Sounds”, de Sam Green. A cineasta
tunisiana lança mão de uma narrativa híbrida para investigar o
desaparecimento de duas filhas de uma matriarca. Já Green transforma
numa experiência fílmica única seu ensaio sobre o som. É forçoso
reconhecer que ambos correm por fora.