Por Amir Labaki
A menos de um mês do anúncio da
lista dos 15 semifinalistas da disputa pelo Oscar de melhor documentário
de longa-metragem, em 21 de dezembro, permanece bastante dinâmico o
quadro de potenciais indicados e é difícil apontar um favorito certo. O
cruzamento de quatro relações paralelas em indicações de críticos e de
festivais alterou as previsões iniciais adiantadas nesta coluna a partir
das primeiras apostas de publicações especializadas.
“O Túnel de Pombos” (Apple TV), o
complexo retrato por Errol Morris do romancista John le Carré
(1931-2020) a partir dos últimos extensos depoimentos dele filmados, viu
refluir seu favoritismo inicial, reprisando seu destaque pelas revistas
apenas pela inclusão na sempre influente seleção Short List do festival
DOC NYC, realizado no início deste mês em Manhattan. O novo filme de
Morris (Sob a Névoa da Guerra) ficou de fora dos semifinalistas da IDA
(International Documentary Association), de Los Angeles, dos premiados
pela Critics’ Choice Awards, associação que reúne o maior número de
críticos filiados nos EUA e Canadá, e dos concorrentes a melhor
documentário do 17º. Cinema Eye Honors, conceituada premiação
independente norte-americana por documentaristas e curadores, de cujo
processo de votação tenho há mais uma década o privilégio de participar.
Nenhum título conquistou
unanimidade em todas essas quatro listas de destaques não-ficcionais de
2023. Apenas três documentários aparecem em ao menos três relações. Já
premiado como melhor filme de estreante no Critics’Choice, “20 Dias de
Mariupol”, de Mstyslav Chernov, radiografa com imagens de impacto o
cerco à cidade ucraniana pelas tropas de Putin. Vencedor da disputa de
documentários americanos do Sundance 2023, “Going to Mars: The Nikki
Giovanni Project” (HBO), de Michèle Stephenson e Joe Brewster, retrata o
engajamento da poeta afro-americana por mais de meio século na luta
antirracista nos EUA. Já o vitorioso na disputa internacional do mesmo
festival, “A Memória Infinita”, da chilena Maite Alberdi, acompanha o
devastador impacto da progressão da doença de Alzheimer sobre o
cotidiano de um casal.
Seis produções emplacaram citações
em ao menos duas listas. Já disponível na Apple TV, depois de fazer sua
estreia nacional na competição do É Tudo Verdade deste ano, “Still – A
História de Michael J. Fox”, de David Guggenheim, parece largar um pouco
à frente, após ter conquistado nada menos que cinco prêmios, incluindo o
de melhor documentário, pela votação do Critics’ Choice. Também
multiplamente premiado pela mesma associação foi “Jon Batiste: American
Symphony” (Netflix, a partir do próximo dia 29), de Matthew Heineman,
uma espécie de “Love Story” (1970) não-ficcional envolvendo o vencedor
do Grammy e sua esposa, a artista Suleika Jaouad.
Por seu panorama da vida de
afro-americanas transgênero como profissionais do sexo, “Kokomo City – A
Noite Trans De Nova York”, de D. Smith, recebeu prêmios do público na
Berlinale e no Sundance e conquistou o maior número de indicações para o
Cinema Eye Honors. Destacados tanto pela lista inicial da IDA quanto
pelo DOC NYC, surgem como potenciais semifinalistas pela Academia “Bobi
Wine: O Presidente do Povo”, de Moses Bwayo e Christopher Sharp, sobre a
campanha presidencial do músico pop em 2021 em Uganda, e “The Mother of
All Lies”, que valeu dois prêmios no último Festival de Cannes à
cineasta marroquina Asmae El Moudir por sua pesquisa do passado
familiar. Encerrando o sexteto com duas indicações, “Marcados: A
História do Racismo nos EUA”, de Roger Ross Williams, combina o recurso
original a animações, arquivos e entrevistas sob a inspiração dos
escritos de Ibram X. Kendi, como desde a última segunda-feira pode-se
conferir na Netflix. Falando na hibridização documentário/animação,
ausente das quatro listas, mas destacado como um dos cinco favoritos
pela Variety, encontra-se “Atiraram no Pianista”, em que os espanhóis
Fernando Trueba e Javier Mariscal reconstituem o desaparecimento na
Buenos Aires de 1976 do pianista brasileiro Tenório Jr. (1941-1976).
Quais as chances de documentários
nacionais serem lembrados no próximo Oscar? “Retratos Fantasmas”, de
Kléber Mendonça Filho, foi indicado como nosso representante também para
uma vaga na categoria de melhor filme internacional e ampliou sua
visibilidade no mercado americano com a seleção para o prestigioso ciclo
anual The Contenders do MoMA de Nova York. Vencedor da disputa
brasileiras do É Tudo Verdade deste ano, já em cartaz nos cinemas, o
tocante e urgente “Incompatível com A Vida”, de Eliza Capai, iniciou sua
campanha por uma indicação com projeções em Los Angeles e Nova York na
semana passada.
Vale celebrar ainda que se
ampliaram as chances na disputa de documentários de curta-metragem para
“Mãri Hi - A Árvore dos Sonhos", de Morzaniel Iramari, delicado mergulho
no imaginário yanomami que venceu a competição nacional da categoria no
É Tudo Verdade 2023 e foi indicado entre os semifinalistas para a
premiação da IDA. Ainda que tardio, o primeiro Oscar para o cinema
brasileiro parece cada vez mais próximo. A 96ª festa da Academia
acontece em 10 de março.