Por Amir Labaki
Sempre me intrigou que Volker
Schlöndorff goze de menor prestígio na cinefilia internacional do que
inúmeros de seus contemporâneos da geração do Novo Cinema Alemão
revelada na década de 1960. Alexander Kluge, Margarethe von Trotta,
Rainer Werner Fassbinder, Werner Herzog e Wim Wenders são alguns deles,
todos merecedores de atenção e mesmo, em certos casos, de verdadeiro
culto. Schlöndorff parece formar num segundo time, ao lado por exemplo
de Edgar Reitz (Heimat).
O panteão talvez comece a mudar com a dupla
homenagem prestada a ele pelo recém-encerrado 34º. Il Cinema Ritrovato,
que aconteceu em Bolonha na semana passada, com programação parcialmente
oferecida pela primeira vez por streaming global. Foi possível assistir
de casa, no último dia 27, à estreia do documentário francês “Volker
Schlöndorff – A Batida do Tambor”, de Pierre-Henri Gibert, seguido por
uma “Lição de Cinema” de quase uma hora proferida pelo diretor alemão.
A programação em sequência liberou o
cineasta do foco estritamente autobiográfico, permitindo-lhe dedicar a
palestra à direção de atores em cinema. O retrato televisivo de Gibert
condensa em 52 ágeis minutos tanto um perfil biográfico quanto um
equilibrado balanço de sua filmografia.
Nascido em Wiesbanden a pouco menos de
um semestre do início da Segunda Guerra (1939-1945), Schlöndorff
escapou do destino burguês tradicional de sua árvore genealógica graças a
um anúncio escolar de estudos na França. O período de imersão francesa
reforçou a bibliofilia precoce e facultou a descoberta do templo
universal da cinefilia, a Cinemateca Francesa de Henri Langlois.
De espectador privilegiado a estudante
no então IDHEC (Institute de Hautes Études Cinematographiques) foi um
salto natural. No círculo de estudantes conheceu Louis Malle
(1932-1995), em estágio mais adiantado na carreira depois da precoce
Palma de Ouro em Cannes que dividiu com Jacques Cousteau pelo
documentário “O Mundo do Silêncio” (1956). Em 1960, Schlöndorff debutava
como assistente de direção de Malle para as filmagens de “Zazie no
Metrô”. O posto seria dele nos três longas-metragens seguintes,
alternando-se ainda com trabalhos similares para Alain Resnais, em “O
Ano Passado em Marienbad” (1961), e para Jean-Pierre Melville, em “Léon
Morin – O Padre” (1961).
Na palestra em Bolonha, Schlöndorff
distinguiu o aprendizado com os três cineastas. Malle revelou-lhe a
importância do poder de “sedução” do diretor frente à toda equipe e
elenco, visando trafegar de forma mais suave pelos solavancos
inevitáveis de qualquer filmagem. De Resnais lembrou a delicadeza no
trato dos atores, especialmente da maneira sutil com que murmurava dicas
de atuação para a protagonista Delphine Seyrig. Já Melville, rude e
intransigente, surgiu como um contra-modelo, alguém que o tempo todo
“jogava o jogo do poder”.
Passada meia década de treinamento no
auge da “Nouvelle Vague”, seus colegas franceses, Malle em especial, o
convenceram a retornar à Alemanha para sua estreia como diretor de
longas-metragens. Com ecos de sua austera experiência estudantil na
França, “O Jovem Törless” (1966) lhe valeu de cara o prêmio da crítica
na estreia em Cannes, catapultando-o à linha de frente do nascente Novo
Cinema Alemão.
Baseado no romance autobiográfico de
Robert Musil, “Törless” inaugura o filão de adaptações, literárias ou
teatrais, que se estabeleceu como plataforma segura para o principal da
filmografia do erudito Schlördorff. Essa âncora livresca talvez seja uma
das explicações para o estigma em torno de sua obra, mas jamais
funcionou como camisa-de-força estilística.
Basta contrastar a eletricidade moral
de “A Honra Perdida de Katharina Blum” (codir. de von Trotta, 1975), o
expressionismo de “O Tambor” (1979), que lhe valeu a Palma de Ouro e um
Oscar de filme estrangeiro, a delicadeza de seu mergulho em Proust com
“Um Amor de Swann” (1984), o existencialismo de “O Viajante” (1991) e o
domínio do “noir” em “Crime em Palmetto” (1998). Para mim, seus melhores
filmes, ao lado do documentário de entrevistas com Billy Wilder (2006) e
da versão televisiva de “A Morte do Caixeiro-Viajante” (1985), com
Dustin Hoffman e John Malkovich.
Quase não resta espaço para os
generosos toques dele sobre direção de atores. Schlöndorff argumentou
que o essencial é passar confiança, deixar os intérpretes confortáveis e
jamais expressar a própria vulnerabilidade. “Jamais tente transformar a
personalidade do ator na do personagem. Você vai perder seu grande
capital -a personalidade do ator”, insiste. “Um filme é quase um
documentário sobre os atores interpretando aquele papel”.
As maiores referências dele neste campo?
Jean Renoir (A Regra do Jogo, 1939) e Ingmar Bergman (Persona, 1966).
Schlöndorff abriu o encontro dizendo ter escolhido o tema a partir de
uma conversa de véspera sobre o vácuo de aulas de direção de atores nas
escolas de cinema. Creio, contudo, que se entregou na fala final. De
tudo em cinema, dirigi-los é o que prefere. “Trabalhar com atores nunca
cansa”, concluiu sorrindo. “É vida. É vida ao vivo”.