Por Amir Labaki
E o Oscar piscou. Com o triunfo de
“Parasita”, do sul-coreano Bong Joon-ho, pela primeira vez, em 92 anos
de premiação, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de
Hollywood coroou como melhor produção um filme falado numa língua que
não a inglesa.
Surpresa? É pouco. Surpreendente já
fora, cerca de vinte minutos antes, Bong Joon-ho superar o favorito Sam
Mendes, de “1917”, na premiação de melhor diretor. O cineasta já
celebrara até então o primeiro Oscar na história para a Coréia do Sul,
com o prêmio de roteiro original, e o primeiro Oscar de filme
internacional, como foi neste ano rebatizada a antiga categoria de
melhor filme estrangeiro.
A vitória de “Parasita” tornou a noite
também histórica para a Academia. Errei como quase todo mundo na
previsão, apostando que “1917” repetiria as conquistas principais na
associação dos produtores, no Bafta (o Oscar britânico) e no Globo de
Ouro, mas acertei na análise de tratar-se de mais um ano em que se
fortalecia o processo de inclusão e internacionalização do Oscar, ao
contrário das críticas acerbas recebidas no anúncio das indicações. O
progresso é real, como resposta às consecutivas ondas de protestos do
#OscarsSoWhite (2015-2016) e #MeToo (2018).
Assim, não só na distribuição de
estatuetas a 92ª cerimônia do Oscar, pela segunda vez consecutiva sem um
mestre de cerimônias fixo, ostentou a crescente diversidade. Artistas
americanos de origem afro, asiática, latina conduziram a festa, que teve
também pela primeira vez uma maestra, a irlandesa Eímear Noone,
conduzindo a execução pela orquestra da Academia a apresentação das
trilhas sonoras concorrentes. O roteiro da noite, e não apenas em
tiradas cômicas, esteve permeado por uma autêntica “mea culpa” pela
ausência de mulheres na disputa do prêmio de direção e pela isolada
indicação de apenas uma atriz afro-americana (Cynthia Erivo, por
“Harriet”, ainda inédito por aqui) nas quatro categorias de
interpretação.
“America First”? Não mais aqui, Mr.
Trump, respondeu a Academia, consagrando como campeão da noite, com
quatro estatuetas incluindo a principal, uma produção sul-coreana. No
segundo posto, eis ainda uma obra britânica, “1917”, vencedora em três
categorias (efeitos especiais, fotografia e mixagem de som).A premiação
em seu todo foi ecumênica, distribuindo troféus para quase todos os
maiores indicados (Coringa, Era Uma Vez em Hollywood e Ford vs. Ferrari
levaram cada um dois para casa). A exceção, como aqui previra, foi “O
Irlandês”, de Martin Scorsese, que elegantemente assistiu à mais uma
longa noitada em que as louvações pelos premiados no palco não se
traduziram em reconhecimentos concretos pelos votantes da Academia.
A cerimônia não testou a paciência
apenas do diretor novaioquino. A obsessão por números musicais
desconectados da premiação só não foi mais exasperante do que a
distribuição modorrenta de esquetes pretensamente cômicos para os
apresentadores dos prêmios, na ausência de um mestre de cerimônias para
perpetra-los. Será preciso muito mais do que performances sem pé nem
cabeça como a do rapper Eminem para atrair para Oscars futuros a atenção
do público jovem.
Hollywood continuou celebrando
Hollywood sobretudo na distribuição dos prêmios de interpretação. Os
favoritos triunfaram: Renée Zellweger (Judy) como melhor atriz, Joachin
Phoenix (Coringa) como ator, Laura Dern (História de um Casamento) e
Brad Pitt (Era Uma Vez Em Hollywood) como coadjuvantes. Zellweger
superou-se para compor uma decadente Judy Garland e Phoenix reinventou
um ícone pop da HQ, mas os triunfos de Dern e Pitt, sempre competentes e
há muito merecedores de uma estatueta, pareceram carregar um tanto de
reconhecimento atrasado pelas iluminadas carreiras.
Quando duas gigantescas estrelas
vermelhas iluminaram o palco do Dolby Theatre, por uma fração de
segundos petistas devem ter se sentido vingados e bolsonaristas espumado
de raiva, até perceberem tratar-se não de uma homenagem cifrada ou de
uma explícita provocação e sim de um extravagante cenário para Elton
John defender ao piano a soporífera canção "(I‘m Gonna) Love Me Again”
de sua cinebiografia “Rocketman”, que lhe valeu o segundo Oscar -e o
primeiro a seu genial letrista, Bernie Taupin.
Momentos antes, confirmara-se a
previsível superação de “Democracia em Vertigem”, da brasileira Petra
Costa, por “Indústria Americana”, de Julia Reichert e Steven Bognar.
Quem reverberou no palco a máxima marxista do “trabalhadores, uni-vos”, a
partir de seu extraordinário filme sobre a veloz eliminação tecnológica
do operariado industrial, foi afinal uma documentarista dos EUA. Como
que reverenciando o legado antimacartista de Kirk Douglas (1916-2020),
Tom Hanks logo daria a deixa de que naquela noite todos e cada um eram
Spartacus