Por Amir Labaki
Um dos mais acurados termômetros dos favoritos a disputar o Oscar
de melhor documentário de longa-metragem registrou seus destaques do ano
na semana passada. Trata-se da tradicional mostra “Short List” do DOC
NYC, cuja 10a edição será novamente pilotada por Thom Powers a partir
de 6 de novembro próximo.
O documentarismo brasileiro marca presença entre os 15 selecionados
com “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa. Já disponível no Netflix,
a um só tempo autobiográfico e histórico, o filme entrelaça a
trajetória da cineasta e a ascensão e queda do PT à Presidência, da
eleição de Lula em 2002 à sua prisão em 2018, passando pelo impeachment
de Dilma Rousseff em 2016 e desembocando na eleição presidencial de Jair
Bolsonaro no ano passado.
Somando-se essa distinção à crítica majoritariamente positiva nos
EUA desde a pré-estreia no Sundance em janeiro último, crescem as
chances de obtenção de uma vaga ao menos na relação de 15 semifinalistas
não-ficcionais da Academia. A pré-seleção tornou-se provável mas não é
certa.
De um lado, todos os vencedores do Oscar de melhor longa documental
dos últimos oito anos estavam na “Short List” do DOC NYC. De outro,
apenas 9 dos incluídos no programa nova-iorquino do ano passado acabaram
presentes entre os 15 escolhidos pela Academia.
“Democracia em Vertigem” forma um oportuno par no programa com “The
Kingmaker”, o retrato da extravagante e poderosa ex-primeira dama das
Filipinas Imelda Marcos, dirigido por Lauren Greenfield. A nostalgia
dela pela “ordem” da antiga tirania de seu marido lança luzes sobre a
recente ascensão à Presidência do igualmente autoritário Rodrigo
Duterte. Convida ainda a inevitável paralelo com a eleição aqui de
Bolsonaro, como notou o crítico Jason Gorber no site da revista
quadrimestral de documentários POV.
Aproximando-se do processo similar nos EUA com o triunfo de Donald
Trump, são de certa forma complementares “Privacidade Hackeada”, de
Karim Amer e Jehane Noujaim, e “Virando A Mesa do Poder”, de Rachel
Lears, também já disponíveis no Netflix. O primeiro examina o escândalo
da atuação da Cambridge Analytica para a exploração política de
informações pessoais postadas em mídias sociais; o segundo acompanha a
tentativa de renovação das lideranças progressistas americanas na
eleição parlamentar do ano passado, tendo por grande símbolo a candidata
democrata Alessandra Ocasio-Cortez, hoje deputada por Nova York.
Dois dos mais fortes candidatos ao Oscar deste ano detém-se sobre a
guerra civil na Síria. Em comum, apresentam sob perspectivas femininas o
conflito entre as tropas do despótico Bashar al-Assad e os diversos
grupos armados rebeldes.
O mais premiado título do ano até aqui é “For Sama”, de Waad
al-Kateah e Edward Watts. Estruturado como uma carta à primogênita de
al-Kateah, expõe as devastadoras consequências privadas e familiares do
embate fratricida em Aleppo.
O sírio Feras Fayyad flagra em “The Cave” a mesma bárbarie, mas em
Ghouta, nas franjas da capital Damasco. Concentra-se na caverna do
título o hospital improvisado para as vítimas civis de bombardeios, até
mesmo com ataques químicos. À frente do heroico esforço médico,
conhecemos a jovem doutora Amina e sua reduzida equipe.
É em torno da China contemporânea que giram “Indústria Americana”
(também já no Netflix), de Julia Reichert e Steven Bognar, e “One Child
Nation”, de Nanfu Wang e Jialing Zhang. Reichert e Bognar flagram o
confronto entre os métodos chineses de administração e os trabalhadores
de uma antiga fábrica da GM em Ohio, reaberta por um bilionário da
China. Já Nanfu retorna dos EUA a seu vilarejo natal chinês para revelar
as cicatrizes na comunidade da brutal política de restrição à
natalidade, vigente entre 1982 e 2015.
Nada menos que quatro títulos abordam questões ecológicas ou
científicas. No cinquentenário da chegada do homem à Lua, Todd Douglas
Miller revisita o feito a partir de registros inéditos da NASA em
“Apollo 11”. Multipremiado no Sundance, “Honeyland”, de Tamara Kotevska e
Ljubomir Stefanov, radiografa a destruição do pacato e modesto
cotidiano de um apicultora no interior da Macedônia pela chegada de
agressivos vizinhos.
Narrado pelo ator Chiwetel Ejiofor e dirigido por Mark Deeble e
Victoria Sotne, “The Elephant Queen” acompanha como uma aliá defende sua
manada. Já em “The Biggest Little Farm”, John Chester documenta como,
ao lado de sua esposa Molly, mantém uma pequena fazenda autossustentável
às portas de Los Angeles.
Combinando divulgação científica e celebridade midiática, Ryan
White reconstitui em “Ask Dr. Ruth” a reinvenção da alemã Karola Siegel,
“órfã do Holocausto”, como dra. Ruth Westheimer, a mais popular
sexóloga americana. Por fim, Jamie Foxx e Smokey Robinson ajudam o
diretor Roger Ross Wiliams a recuperar, em “The Apollo”, a história do
centenário palco da cultura afro-americana no Harlem nova-iorquino.
É páreo equilibrado.