Por Amir Labaki
A lista de indicações para o 76o Globo
de Ouro e as primeiras escolhas de associações de críticos nos EUA,
reveladas a partir do início do mês, inauguraram a temporada de
premiações para a safra americana de 2018. Nesta segunda, dia 17, a
Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood anuncia a
relação de semifinalistas em nove categorias, incluindo animações,
documentários e filmes estrangeiros, para as quais produções brasileiras
batalham por vagas. Apenas em 22 de janeiro serão conhecidos os
indicados finais em todas as categorias para o Oscar.
A partir de hoje, você pode
acompanhar mais de perto o caso mais curioso do ano. Estreia na Netflix,
e em sessões especiais gratuitas já esgotadas em São Paulo e no Rio,
“Roma”, do mexicano Alfonso Cuarón (Gravidade). É um drama
autobiográfico, sobre a relação entre uma família de classe média e uma
empregada doméstica na Cidade do México do começo dos anos 1970,
escrito, co-editado e rodado em preto e branco pelo próprio Cuarón e
falado naturalmente em espanhol.
Vencedor do Leão de Ouro em
setembro passado no Festival de Veneza, depois de ser barrado do
Festival de Cannes pelo braço de ferro entre o conselho do festival e a
plataforma de streaming, “Roma” teve alavancadas suas chances de
alcançar o Oscar de melhor filme por uma tripla premiação de críticos
dos EUA (Chicago, Los Angeles, Nova York) e pelas três indicações ao
Globo de Ouro. Questões de regulamento da premiação da Associação da
Imprensa Estrangeira em Hollywood o deixaram de fora da categoria de
melhor drama, contemplando-o nas categorias de melhor filme estrangeiro,
diretor e roteiro. (Os vencedores serão conhecidos em 6 de janeiro).
As regras são outras para o
Oscar e nada impede que “Roma” venha a concorrer tanto a melhor filme
como a melhor filme estrangeiro, este devido à indicação nacional feita
pelo México. Vale lembrar, contudo, que nos últimos vinte anos, esta
dupla indicação ocorreu apenas duas vezes: com o italiano “A Vida É
Bela” (1998), de Roberto Benigni, e o taiwanês “O Tigre e o Dragão”
(2000), de Ang Lee.
Ambos levaram o Oscar de
melhor filme estrangeiro e perderam-no na categoria principal. Nenhuma
surpresa: nos 90 anos do prêmio, nunca uma produção falada em outra
língua que não a inglesa levou o Oscar de melhor filme. Um triunfo de
“Roma” seria assim duplamente histórico, como o primeiro grande
vitorioso em língua estrangeira e a primeira produção da Netflix, ou de
qualquer outra plataforma similar, a conquistar a distinção máxima da
Academia.
O primeiro pioneirismo
refletiria o empenho de inclusão e internacionalização central aos
trabalhos da Academia nos últimos anos. Já o segundo sinalizaria a
superação, por parte expressiva da elite da comunidade cinematográfica
americana, de qualquer estigma frente às plataformas de streaming,
abraçando-as apesar de inerentemente concorrentes do modelo tradicional
de distribuição de filmes em salas Até para cumprir o regulamento do
Oscar, “Roma” estreou previamente, mas apenas de forma limitada, no
circuito comercial dos EUA em 21 de novembro passado.
Mas se o filme de Cuáron
parece ser a história da indústria com maior simbolismo neste ano, não
está sozinho, tampouco na disputa do Oscar. Nada menor é o feito de
“Pantera Negra”, de Ryan Coogler, com sua adaptação totalmente
afro-americana do herói dos quadrinhos. Maior bilheteria planetária do
ano, a um só tempo fortaleceu a presença negra em Hollywood e quebrou a
monótona rotina das versões fílmicas de HQ. Indicado ao Globo de Ouro
entre os dramas, tem tudo para participar com força da votação pela
Academia.
Ao menos dois outros
diretores negros posicionam-se bem para as competições. Tradicionalmente
esnobado pela Academia, Spike Lee reaparece com novo vigor com
“Infiltrado na Klan”, já em cartaz no Brasil. Com melhor sorte, dada sua
consagração na estreia há dois anos com o prêmio principal e o de
roteirista por “Moonlight – Sob a Luz do Luar”, Barry Jenkins adapta
agora um dos principais romances de James Baldwin (1924-1987), “Se A Rua
Beale Falasse”. O filme estreia por aqui em 24 de janeiro próximo, duas
semanas depois de ter finalmente aportado nas livrarias nacionais a
tradução do livro por Jorio Dauster para a Companhia das Letras.
Com boas chances de
emplacarem também indicações ao Oscar principal, completam a lista dos
indicados a melhor drama pelo Globo de Ouro dois musicais (por que não
na categoria específica, não me pergunte): a xaropada de Bradley Cooper e
Lady Gaga, “Nasce Uma Estrela”, e “Bohemian Rhapsody”, a cinebiografia
de Freddy Mercury (1946-1991) dirigida por Bryan Singer a que sobrevivi
apenas devido à estupenda reconstituição do show no Live Aid em 1986.
Outra história real pauta
porém aquele que parece o verdadeiro azarão da vez, com estreia aqui
apenas em 31 de janeiro. Em “Vice”, Adam McKay (A Grande Aposta) retrata
com a ironia habitual a poderosíssima vice-presidência de Dick Cheney
durante a era Bush Jr. (2001-2009). Quem sabe o show de Trump não ajuda a
romper o gelo da Academia frente a sátiras políticas?