Por Amir Labaki
Na próxima terça, dia 24, celebra-se o centenário de nascimento de um dos maiores intelectuais do Brasil contemporâneo, o crítico literário e sociólogo Antonio Candido de Mello e Souza (1918-2017), autor de clássicos como “Formação da Literatura Brasileira” (1959) e “Os Parceiros do Rio Bonito” (1964). A efeméride é comemorada, entre outros eventos, por uma obrigatória Ocupação Antonio Candido no Itaú Cultural, coordenada por sua neta Laura Escorel, e pela elegante edição de “Conversa cortada: A Correspondência entre Antonio Candido e Angel Rama –o esboço de um projeto latino-americano (1960-1983)” (Ouro sobre Azul/Edusp, 2018, 232 págs).
Quando de sua despedida, em maio do ano passado, lembrei aqui um pouco de seus comentários sobre cinema nos três inesquecíveis encontros que mantive com ele, em 2003, 2012 e 2016. Hesitei em tornar públicas declarações ouvidas em conversas privadas, anotadas rapidamente ainda sob o impacto natural de encontrá-lo. Venceu a convicção de que a lendária generosidade de Antonio Candido impunha dividir socialmente o privilégio concedido ao modesto visitante.
Seguem-se os esforços que fiz para registrá-lo como um eterno aluno que jamais teve a honra de acompanhar suas aulas, agora com tópicos extracinematográficos.
Brasil dos imigrantes
O Brasil dos imigrantes surge a partir de 1899. Era aquilo que Sérgio Buarque de Holanda chamou, no final de “Raízes do Brasil”, esse livro estupendo, de “Brasil americano”. Não pegou, pois “americano” já tinha sido apropriado pelo vizinho do Norte, eram eles os “americanos” . Os imigrantes trouxeram a ética do trabalho. Fizeram o empresariado e o proletariado. Só havia aqui a elite e o escravo - sem classe média, apenas o funcionalismo “do meio”.
Diários e memórias
Meus textos memorialísticos nasceram sempre de encomendas. Na semana passada (2003), escrevi umas oito páginas sobre as livrarias de São Paulo para uma tese.
Desde os 15 anos mantenho anotações em um caderno. Minha mãe me ensinou a pegar um caderno, anotar e comentar cada livro que lia. Quando meu pai morreu, num impulso joguei fora os 14 primeiros.
Anoto comentários, trechos de livro ... Tenho uma série ininterrupta destes cadernos, desde 1966.
Ficcionista
Nunca tive vontade de escrever ficção. Uma vez me contaram o caso de uma mulher que dizia ter um grampo na barriga. Pensaram inicialmente que era um caso psicológico. Acabaram submetendo-a à primeira máquina de raio X. O grampo estava lá. Sentei-me para escrever um conto. Escrevi três páginas e mostrei a Gilda (de Mello e Souza, sua esposa, também renomada crítica e ensaísta). Ela disse: “Não escreva a quarta” (risos).
Geração Clima
Nos influenciamos mutuamente. Fomos o que fomos pois formávamos um grupo. Foram Alfredo Mesquita e Lourival Gomes Machado que nos orientaram. Alfredo, que era mais velho, já com uns 33 anos, foi quem acreditou naqueles jovens, viu um potencial naquele grupo. A revista (Clima) surgiu de Alfredo e Gomes Machado. Eles que planejaram tudo e determinaram a área de cada um. Fizemos coisas marcantes em cinema, teatro, música e artes plásticas. Paulo Emilio (Salles Gomes) fundou a moderna crítica de cinema. Décio (de Almeida Prado), não só escrevendo, criou a moderna crítica de teatro. Minha contribuição não foi importante. O Brasil já tinha uma grande tradição em crítica literária. Temos a mais forte tradição nesta área na América Latina. Basta ver que se publicou aqui a primeira história da literatura do continente.
Leitor
As primeiras leituras foram Monteiro Lobato e (a coleção) Tesouros da Juventude. Nunca gostei muito de policiais. Mais tarde fui ler alguns. Li duma vez só todo o Sherlock Holmes, todos os contos e os quatro romances.
Leio (em 2016) história. Ficção, só releio: Eça (de Queiróz) e Machado (de Assis). Tem coisas que já li 8, 10, 12 vezes.
Líbano
Escrevi um longo artigo, de doze páginas, que permanece inédito, sobre o Líbano. Fiquei tão revoltado quando soube do massacre de Sabra e Chatila (1982) que me sentei e escrevi sobre minha relação com o Líbano. Considero-me um libanês honorário. Uma vez estava fazendo a lista de meus maiores amigos. Não darei nomes. Dentre os cinco maiores, três eram de origem libanesa.
Literatura Brasileira
O ápice da literatura no Brasil foi entre os anos de 1920 e 60, até Clarice (Lispector), Guimarães (Rosa) e João Cabral (de Melo Neto). Poesia, romance e critica – veja-se Álvaro Lins. Conhecemos o Brasil graças ao romance regionalista de 30 –Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano (Ramos), Rachel de Queirós.
Parei de ler ficção brasileira na década de 80. Digo então que fui crítico, não sou mais.
Dizem que para ter uma boa literatura é preciso ter um bom nível médio -poetas médios, romancistas médios. Hoje parece que temos.