Por Amir Labaki
Uma admiração de toda vida pelo jornalista americano Ben Bradlee (1921-2014)
me leva a entrar com atraso em sua merecida revalorização cinematográfica, em
ficção e documentário. Tom Hanks o interpreta em “The Post: A Guerra Secreta”,
de Steven Spielberg, já em cartaz, e a própria voz de Bradlee narra sua
trajetória em “O Homem do Jornal: A Vida de Ben Bradlee”, de John Maggio, que
reprisa hoje (16) e na próxima quinta (22) no canal a cabo HBO.
Você sabe quem ele é mesmo não tendo visto ainda nenhum destes filmes.
Bradlee valeu a Jason Robards (1922-2000) o Oscar de ator coadjuvante por
“Todos os Homens do Presidente” (1976), de Alan J. Pakula (1928-1998). Ele é o
cético chefão que comandava a redação do The Washington Post (editor executivo
era seu cargo) durante a mítica cobertura do escândalo de Watergate por Bob Woodward
e Carl Bernstein que encurralou o então presidente Richard Nixon até a renúncia
em 1976.
Spielberg presta uma bela homenagem ao clássico de Pakula na sequência
final de “The Post”, reencenando-lhe as cenas iniciais da invasão da sede do
Partido Democrático em Washington por espiões a serviço da candidatura à
reeleição de Nixon. No mais, é competente como de hábito -e melodramático como
sempre.
Tropeços no ritmo comprometem aqui a ali “The Post”, apesar de tudo
indicado ao Oscar principal, mas sequer são o seu maior equivoco. O grande erro
é o desequilíbrio entre o certeiro elenco de coadjuvantes e a estelar dupla
escalada para os papéis centrais.
Na primeira coluna, brilham Matthew Rhys, do seriado “The Americans”,
como o “whistleblower” Daniel Elsberg, Bruce Greenwood (Treze Dias Que Abalaram
o Mundo, 2000) como o ex-secretário de Defesa Robert McNamara (1916-2009), e
Bob Oderkink, das séries “Breaking Bad” e “Better Call Saul”, como o lendário
repórter do Washington Post Ben Badgkian (1920-2016). Na segunda, quem diria,
eis Hanks como Bradley e Meryl Streep como a “publisher” do diário, Katharine
Graham (1917-2001).
Nem todo talento e reforço de maquiagem, cabelereiro e vestuário ocultam
que Streep é uma presença glamurosa e “wasp” demais para viver a sóbria
Graham. Soa falsa a tentativa da atriz projetar a insegurança essencial à
personagem. Sua indicação ao Oscar, nada menos que a 21a da
carreira, parece um bater de continência automatizado pela Academia.
E pobre Hanks. Spielberg deve tê-lo escalado julgando que o James
Stewart de nossa geração carregaria a carga de civismo dramático inerente a
Bradlee. Ledo engano. A franja de picadeiro adotada por Hanks pulsa o filme
todo a infelicidade da escolha. Faltam-lhe a complexão atlética, o amplo rosto
ossudo e a autoridade da mera presença do editor.
No documentário de Maggio, quando vemos o Bradlee e Robards lado a lado,
um, a semelhança é evidente, dois, o carisma do jornalista abafa o do grande
intérprete. E, lembre-se, Robards roubava todas as atenções quando contracenou
com Robert Redford (Woodward) e Dustin Hoffman (Bernstein) em “Todos os Homens
do Presidente”. Sucedê-lo no papel era mesmo tarefa inglória, mas talvez Jeff
Daniels ou Tim Robbins teriam sido apostas menos arriscadas.
“The Post” funciona, ainda assim, como uma espécie de “prequel”
nostálgico para o filme de Pakula. Resumem-se bem os eventos essenciais da
batalha judicial dos jornais (“The New York Times” primeiro, “The Washington
Post” em seguida) pela publicação dos chamados “Papéis do Pentágono”, um
extenso (e secreto) dossiê devastador sobre a história da intervenção dos EUA
no Vietnã preparado pelo então analista de inteligência Ellsberg como subsídio
para a Casa Branca de Lyndon Johnson (1908-1973).
A versão documental daquele embate decisivo sobre o direito de expressão
nos EUA se encontra num documentário que se vê como “thriller”, “O Homem Mais
Perigoso da América” (2009), de Rick Goldsmith e Judith Ehrlich, vitorioso no É
Tudo Verdade de 2010. Tudo o que você precisa saber para se encantar por
Bradlee está em “O Homem do Jornal”, certeiramente estruturado a partir de seu
elegante livro de memórias, “A Good Life – Newspapering and Other Adventures”
(Simon & Schuster, 514 págs, 1995, US$ 18).
Estão lá a vitória contra a pólio na juventude, a participação na
Segunda Guerra, o conflito profissional a partir da eleição do amigo JFK à
Presidência, o caso Ellsberg, Watergate, e até o vexame jornalístico de sua
vida, com a falsa reportagem que valeu um Pulitzer à arrivista Janet Cooke. Um
herói de carne e osso, portanto ainda mais irresistível. O astuto Tom Hanks
deveria saber que não daria sequer para a saída.