Por Amir Labaki
Em meio ao mundo em duplo trauma, o
da guerra entre Israel e o Hamas a partir dos ataques terroristas de 7
de outubro e da guerra de Putin contra Ucrânia desde fevereiro do ano
passado, a 36ª edição do Festival Internacional de Documentários de
Amsterdã, o IDFA, apresenta até o próximo dia 19 um retrato do estado
das coisas na produção não-ficcional em 270 filmes e 32 obras de novas
mídias.
Buscando retratar o espírito do
tempo, o filme de abertura na quarta, dia 9, “A Picture to Remember”, de
Olga Chernykh, acompanha o impacto devastador do conflito ucraniano sob
três gerações de mulheres da própria família. “Enquanto o jornalismo
oferece respostas imediatas ou comentários diretos sobre eventos
históricos em pleno desenvolvimento, documentários oferecem uma
perspectiva mais ampla”, distinguiu o diretor artístico do IDFA, Orwa
Nyrabia, na apresentação do programa.
A seleção deste ano do principal
evento dedicado a não-ficção do calendário mundial de festivais
aprimorou seu foco. Reduziu-se o eurocentrismo, ainda que produções da
Europa Ocidental representem cerca de metade do programa, e alcança-se
um virtual equilíbrio entre filmes realizados por diretores (128) e
diretoras (122).
Há uma única produção
sul-americana entre os onze títulos da principal competição, “O Último”,
do paraguaio Sebastián Peña Escobar, com documentários da região
representando 8,7% da seleção como um todo. A participação brasileira
ampliou-se em comparação à presença nos últimos anos, marcando quase
todas as disputas e mostras informativas.
Em Envision, seção dedicada a
obras com maior ousadia formal, concorrem duas produções nacionais.
Tendo Vincent Carelli como um dos produtores, “A Transformação de
Canuto”, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho, mergulha no
imaginário da comunidade indígena dos Mbyá-Guarani. Já
“Termodielétrica”, de Ana Costa Ribeiro, investiga a própria história
familiar a partir da trajetória de seu avô, um físico experimental.
A marca brasileira em Envision
conta ainda no júri com o documentarista e artista visual Cao Guimarães
(A Alma do Osso, 2004). Em estreia mundial, Cao também apresenta seu
novo filme, “Amizade”, dentro do ciclo paralelo Signed (Assinado), como
foi rebatizada a antiga mostra Masters (Mestres) do IDFA. A mesma seção
destaca a estreia holandesa do terno “Retratos Fantasmas”, de Kléber
Mendonça Filho.
Quinze anos do cotidiano e das
lutas pela terra da comunidade Guarani-Kaiowá foram registrados pelo
coletivo de cineastas Guahu’i Guyra em “Ava Yvy Pyte ygua” (pessoas do
coração da terra), selecionado para a competição internacional de
curtas-metragens. Por sua vez, Mariana Luiza concorre na disputa de
obras imersivas de não-ficção com a instalação “Redenção”, que parte da
pintura “A Redenção de Cam” (1895), do espanhol Modesto Brocos, para
discutir o racismo no Brasil.
Dedicada a obras de “temas
urgentes”, a seção informativa Frontlight apresenta “A Portas Fechadas”,
de João Pedro Bim, um ensaio de arquivos a partir de filmes oficiais da
ditadura militar brasileira (1964-1985). Já Best of Fests, seleção de
destaques do circuito internacional de festivais do ano, vai exibir
“Rejeito”, em que Pedro De Filippis acompanha a batalha por reparação
das vítimas da tragédia da ruptura da barragem da mineradora Vale em
Brumadinho em 2019.
Entre as mostras especiais e
históricas, nada mais justo do que encontrar “Cabra Marcado para Morrer”
(1984), de Eduardo Coutinho, ao lado de obras de Agnès Varda
(Daguerreótipos, 1975) e Jonas Mekas (Reminiscências de Uma Viagem pela
Lituânia, 1972), no ciclo 16 Mundos em 16, sobre o centenário da bitola
fílmica de 16mm. O Convidado de Honra do IDFA 2023 é ninguém menos que o
chinês Wang Bing (A Oeste dos Trilhos, 2002). Além de uma
retrospectiva, Wang também selecionou os títulos do ciclo Top Ten, para o
qual escolheu um panorama de obras realizadas na China desde 1999. A
segunda retrospectiva celebra o “rebelde cineasta e artista” Peter
Greenaway -afinal, é tudo cinema.