Por Amir Labaki
“Retratos
Fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho, foi uma excelente escolha, na
semana passada, para a indicação brasileira para concorrer ao Oscar de
melhor longa-metragem internacional em 2024. É um envolvente e potente
documentário de arquivo, com piscadelas ficcionais, em torno da Recife
de formação do diretor de “O Som Ao Redor” (2013).
O
filme desenvolve-se como um tríptico. Inicia-se com uma homenagem à sua
mãe e ao apartamento em que ele se definiu cineasta, prossegue
recordando as salas de cinema às margens do Capibaribe que fecharam as
portas e se encerra, num episódio roteirizado, com um passeio de táxi
com toques de realismo mágico que celebra a um só tempo Jafar Panahi e
Apichatpong Weerasethakul, entre outros.
O
fato de ser um documentário numa categoria que era tradicionalmente
dominada por filmes de ficção deixou de ser um fator restritivo na
história recente da Academia. Nos últimos dez anos, nada menos que
quatro produções não-ficcionais emplacaram indicações entre os cinco
finalistas da categoria: “A Imagem Que Falta” (Camboja, 2013), de Rithy
Panh; “Honeyland” (Macedônia do Norte, 2018), de Tamara Kotevska and
Ljubomir Stefanov; “Collective” (Romênia, 2020), de Alexander Nanau; e
““Flee: Nenhum Lugar Para Chamar de Lar” (Dinamarca, 2021), de Jonas
Poher Rasmussen. Todos estão disponíveis em streaming no Brasil,
comprovando o impulso comercial representando pela disputa do Oscar
também para filmes produzidos longe de Hollywood.
Segundo
título de Mendonça Filho escolhido para representar o cinema
brasileiro, depois da indicação de “O Som ao Redor” em 2013, “Retratos
Fantasmas” adentra a arena com bom fôlego. Primeiro, estreou com pompa e
circunstância em projeção especial no Festival de Cannes de maio
último, colhendo desde então ótima repercussão crítica internacional, a
começar do diário francês “Libération” e da “Variety”, referência
jornalística essencial do entretenimento norte-americano.
Segundo:
além da visibilidade nobre no mercado norte-americano assegurada por
sua seleção para o Festival de Toronto (Canadá) e de Nova York (EUA),
“Retratos Fantasmas” tem distribuição comercial garantida nos EUA pela
Grasshopper e teve contratada para cuidar de sua campanha visando o
Oscar a empresa especializada Cinetic Marketing, que nos últimos anos
representou títulos vencedores como “Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”
(2022), de Daniel Kwan e Daniel Scheinert, “Parasita” (2021), de Bong
Joon-ho e “Moonlight; Sob A Luz do Luar” (2016), de Barry Jenkins.
Tudo
somado, “Retratos Fantasmas” tem chances reais de tornar-se o quinto
filme brasileiro a emplacar uma indicação ao menos um entre os cinco
finalistas. Quanto a categoria ainda se intitulava “Oscar de melhor
filme estrangeiro”, classificação atualizada para “melhor longa-metragem
internacional” a partir de 2020, disputaram a rodada final “O Pagador
de Promessas” (1962), de Anselmo Duarte, “O Quatrilho” (1995), de Fábio
Barreto, “O Que É Isso, Companheiro?” (1997), de Bruno Barreto, e
“Central do Brasil” (1998), de Walter Salles.
O
primeiro passo é conquistar uma das 15 vagas de semifinalista na lista a
ser anunciada em 21 de dezembro. Em 23 de janeiro de 2024 será
conhecida a relação final dos concorrentes. A cerimônia de premiação
está marcada para 10 de março.
Apenas
em 2 de outubro se encerrará o prazo de inscrições dos quase 100
representantes nacionais visando o Oscar da categoria. No momento em que
escrevo, dois outros documentários se encontram entre os concorrentes: o
estoniano “Smoke Sauna Sisterhood”, que valeu a Anna Hints o prêmio de
melhor direção na disputa de documentários internacionais no Sundance
deste ano, e o híbrido tunisiano “Four Daughters”, de Kaouther Ben
Hania, que dividiu o Olho de Ouro de melhor documentário de Cannes em
maio último.
Jamais
premiados com o Oscar, três mestres do cinema contemporâneo tiveram
suas mais recentes obras apresentadas para a competição. O finlandês Aki
Kaurismaki disputa com “Fallen Leaves”, distinguido neste mês com o
prêmio de melhor filme do ano pela Fipresci, a federação internacional
de críticos de cinema. Com “About Dry Grasses”, o turco Nuri Bilge
Ceylan busca também ao menos sua primeira indicação. Já o alemão Wim
Wenders, antes indicado apenas por documentários (Buena Vista Social
Club; Pina, O Sal da Terra), representa curiosamente o Japão com seu
“Perfect Days”, rodado em Tóquio.
As
fichas brasileiras na 96a. premiação da Academia não se concentram,
contudo, apenas em “Retratos Fantasmas”. Vencedores das disputas
nacionais do É Tudo Verdade em abril passado, já se credenciaram para
competir respectivamente a melhor documentário de longa-metragem e de
curta-metragem “Incompatível com a Vida”, de Eliza Capai, e “Mãri hi – A
Árvore do Sonho”, do cineasta yanomani Morzaniel Iramari. O primeiro
triunfo do Brasil no Oscar não deve tardar.