Por Amir Labaki
Três
filmes brasileiros estão entre as “101 joias escondidas”, ou “os
grandes filmes que você nunca viu”, destacadas na capa da edição deste
mês da revista britânica de cinema Sight and Sound, a partir da votação
das dez maiores obras da história entre cineastas, críticos e curadores
publicada em dezembro de 2022. Segundo o editorial deste número de
março, são títulos destacados entre os que receberam apenas um voto no
levantamento, “uma lista fascinante que conduzirá até os mais
meticulosos cinéfilos a novas descobertas”.
Mais
de 4300 filmes foram citados pelos cerca de 2000 votantes. “Esta
seleção (de 101 filmes) é”, argumenta o crítico Thomas Flew, “de sua
maneira, tão representativa das riquezas da história do cinema como a
outra lista anunciada no final do ano passado”. Vale lembrar, o drama
belga “Jeanne Dielman” (1975), de Chantal Akerman (1950-2015), ficou
pela primeira vez no topo dos “Grandes Filmes de Todos os Tempos”.
Seguindo
a ordem cronológica, o primeiro filme brasileiro citado na nova lista é
“Macunaíma” (1969), adaptado do romance de Mário de Andrade por Joaquim
Pedro de Andrade (1932-1988). Devemos a lembrança a Bedatri D.
Choudhurry, da revista Documentary, que o posicionou em segundo lugar,
logo abaixo de “2001, Uma Odisséia no Espaço” (1968), de Stanley
Kubrick.
Em
seu comentário, Choudhurry destaca que “não pode haver registro do
cinema mundial sem prestar atenção ao movimento do Cinema Novo do
Brasil”. “Se eu pudesse”, prossegue, “citaria todos os filmes do
(Cinema) Novo aqui, mas ‘Macunaíma’ para mim flutua no topo, por tudo
que fez para brincar com a forma. É uma comédia, uma fantasia, uma
tragédia e uma alegoria fantástica do povo brasileiro, mas também do
povo em geral, e sua ganância insaciável que nunca se apaga”.
Imagino
que Joaquim Pedro ficaria encantado de encontrar sua obra mais popular
ao lado de filmes tão distintos e marcantes como o documentário “News
from Home” (1976), de Chantal Akerman, “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999), de
Pedro Almodóvar, e “Cleo das 5 às 7” (1962), de Agnès Varda
(1928-2019). Em especial, soaria como música a homenagem ao fim do texto
de Choudhurry ao “gênio” Grande Otelo (1915-1993).
Coube
a Vadim Rizov, da também americana Filmmaker Magazine, o voto a um dos
mais inventivos clássicos do chamado “Cinema Marginal” da virada dos
anos 1960 para os 70: “Bang Bang” (1971), de Andrea Tonacci (1944-2016).
Citando a definição do filme pelo próprio diretor, “uma história
policial maoísta”, Rizov frisa “seus ritmos imprevisíveis” e reconhece
ser “quase impossível” fazer sua sinopse: “é o protótipo do filme antigo
que tem maior frescor do que qualquer (filme) novo”.
Há
coerência na inclusão de um dos pilares da filmografia de Tonacci num
panteão de obras majoritariamente experimentais, ocupando o sexto posto
de uma lista encabeçada por “The Anthem” (2006), do tailandês
Apichatpong Weerasethakul (Palma de Ouro em Cannes em 2010 por “Tio
Boonmee”). Mais difícil de explicar, como reconhece o próprio Rizov, é a
dupla presença de produções “totalmente mainstream”, como “Jovens,
Loucos e Rebeldes” (1993), de Richard Linklater, e “Contatos Imediatos
do Terceiro Grau” (1977), de Steven Spielberg.
O
terceiro título nacional celebrado pela Sight and Sound encerra a lista
monopolizada por filmes brasileiros de William Plotnick, um dos
co-fundadores da Cinelimite, instituição dedicada a ampliar o acesso à
história do cinema brasileiro nos EUA. Também realizado dentro do quadro
do “Cinema Marginal”, “Imagens” (1972), de Luiz Rosermberg Filho
(1943-2019), era considerado perdido até uma cópia ser localizada em
2014 na França por Hernani Heffner, da Cinemateca do MAM.
“Entre
os filmes feitos em oposição à ditadura brasileira (1964-1985),
‘Imagens’, embora mudo, grita mais alto”, escreve Plotnick. “Por meio de
uma série de gestos abstratos e atos de violência contra o corpo,
pontuado pela montagem experimental de Eisenstein, confronta a
brutalidade do regime e o silêncio imposto sobre qualquer um que falasse
contra ele”.
A
lista de Plotnick é aberta pelos dois filmes brasileiros mais votados
pelos críticos e curadores da revista britânica. Empatados na 211ª
posição, ao lado de outros 11 títulos, mereceram 14 votos tanto o
clássico “Limite” (1930), de Mário Peixoto (1908-1992) quanto o
documentário “Cabra Marcado Para Morrer” (1984), de Eduardo Coutinho
(1933-2014). “Cabra” ainda recebeu o voto de um cineasta, Kleber
Mendonça Filho (O Som ao Redor). Tudo pesado, estarem ambos na mesma
posição de “A Malvada” (1950), de Joseph L. Mankiewicz, e “O Exército
das Sombras” (1969), de Jean-Pierre Melville, entre outros, não é pouco.