Por Amir Labaki
Jorge
Bodanzky, um dos principais cineastas e fotógrafos brasileiros, alcança
nesta semana (dia 22) a marca dos 80 anos. Em meio a justíssimas
celebrações, como as organizadas pelo recente Festival de Brasília e
pelo IMS-SP, é ele quem nos presenteia, elegante e modesto como hábito,
mantendo intensa produção. Prepara-se para lançar em salas, depois do
intenso circuito em festivais deste final de ano, um novo e urgente
documentário, “Amazônia, A Nova Minamata?”, sobre a devastadora
contaminação dos Munduruku por mercúrio, utilizado por garimpos ilegais
no território da tribo amazônica.
Em
agosto passado, o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro elegeu
certeiramente como melhor série documental de 2021 “Transamazônica, Uma
Estrada para o Passado” (HBO), dirigida por ele e Fabiano Maciel, uma
extraordinária radiografia em seis episódios, quilômetro a quilômetro,
da mutiladora rodovia símbolo do projeto de integração nacional a
qualquer preço da ditadura militar nos anos 1970. Há apenas dois anos,
Bodanzky concedera-se um raro desvio de sua produção essencialmente
amazônica para partilhar suas memórias de estudante em “UnB: Utopia
Distopia”, no qual contrasta a alegria dionisíaca dos anos áureos da
universidade, criada por Darcy Ribeiro durante o governo João Goulart, e
o impacto demolidor sobre os corações e mentes de sua geração, e sobre a
própria UnB, da sanha obscurantista do regime autoritário instaurado em
1964.
Nascido em São Paulo
de pai e mãe austríacos, judeus não praticantes que emigraram de Viena
para cá em 1937, Bodanzky credita àquele período de dois anos que passou
em Brasília, a partir de 1963, “a descoberta do Brasil e da cultura
brasileira”. Alguns anos antes, durante o I Seminário de Filme
Documentário em São Paulo, assistir ao inovador curta “Aruanda” (1960),
de Linduarte Noronha, fora o “marco zero da minha decisão de fazer
cinema”.
Jovem fotógrafo de
talento, preocupado com o acirramento da repressão pela ditadura,
Bodanzky partiu para a Alemanha em 1966 com uma bolsa para
aperfeiçoar-se em Colônia, curso logo trocado por aulas de direção de
fotografia cinematográfica com o mestre exilado tcheco Jan Spáta
(1932-2006) no Institut fúr Filmgestaltung dirigido por Alexander Kluge
em Ulm. De volta ao Brasil, fotografou clássicos da produção
independente como “O Profeta da Fome” (1969), de Maurice Capovilla, e
“Hitler Terceiro Mundo” (1970), de José Agripino de Paula, e solidificou
uma carreira como fotojornalista. De uma reportagem para a revista
Realidade, em fins da década de 1960, percorrendo a rodovia
Belém-Brasília, germinaria quase uma década mais tarde sua primeira e
incontornável obra-prima.
Uma
produção para TV alemã, codirigida por Orlando Senna, “Iracema – Uma
Transa Amazônica” (1974) disseca o mito do “Brasil Grande” a partir do
envolvimento de uma jovem prostituta e um caminhoneiro cínico tendo a
destruição da floresta como cenário. Combinando documentário e ficção,
inspirado pelos cinemas de Jean Rouch e John Cassavetes, é o tipo ideal
do método de “improvisação planejada” caro a Bodanzky.
Neste
quase meio século que se seguiu, ninguém documentou a Amazônia como
Bodanzky -e de tantas formas, da fotografia ao CD-Rom (lembra-se?), da
câmera de filmar 16mm ao celular. Talento e inquietação levaram seus
filmes a outros universos, da ficção histórica “Os Mucker” (1978),
co-dirigida por Wolf Gauer, à revisita das veredas brasileiras do
antropólogo francês Claude Lévi-Strauss (À Propos de Tristes Tropiques,
1990). Tudo somado, os prediletos do próprio Bodanzky são “Iracema” e
“Terceiro Milênio” (1981, codireção de Gauer), uma espécie de “river
movie” seguindo a campanha entre folclórica e messiânica a governador do
senador amazonense Evandro Carreira (1927-2015).
Num
debate on-line no ano passado, perguntei-lhe sobre sua relação com a
Amazônia. Assim falou Bodanzky: “Não moro na Amazônia, mas trabalho lá.
Então, não é como se eu voltasse, é uma observação contínua. Não foi uma
escolha, são coisas que acontecem em nossas vidas”.
“O
meu foco na Amazônia, o meu maior interesse, são as pessoas. Todos os
meus filmes são sobre pessoas que vivem na Amazônia. É a parte mais
importante para mim”.
“Eu não
sou médico ou técnico. Sou cineasta, e cineastas contam histórias. Sou
um contador de histórias, e histórias envolvem pessoas. (...) Todo
trabalho na Amazônia não é um novo trabalho, mas a continuação dos
outros. Não é isolado. Eu digo que o meu trabalho é um painel”. Que viva
Bodanzky!
PS. Boas festas! Dou à leitora e ao leitor férias em janeiro.