Por Amir Labaki
A
elevação ao topo do cânone dos dez maiores filmes da história de duas
obras dirigidas por mulheres, “Jeanne Dielman” (1975) da belga Chantal
Akerman (1950-2015), nada menos que no primeiro posto, e “Bom Trabalho”
(1998), da francesa Claire Denis no oitavo, é o maior símbolo do avanço
quanto à diversidade da lista revelada no último dia primeiro pelo site
da revista britânica Sight and Sound, editada pelo British Film
Institute (BFI). Há outros.
Onze
dos cem favoritos são assinados por diretoras, frente a dois no
levantamento anterior de 2012. Apenas um título realizado por um
cineasta negro emplacara uma vaga na lista passada, sendo sete agora.
Não havia nenhum filme de animação; a nova lista apresenta dois, ambos
dirigidos pelo japonês Hayao Miyazaki. Apenas quatro documentários
apareciam na relação da década passada; são agora sete, com “O Homem da
Câmera de Filmar” (1929), de Dziga Viértov (1896-1954), mantendo-se
entre os dez mais, embora caindo da oitava para a nona posição.
Esse
“aggiornamento” é consequência da maior diversidade e da quase
duplicação do número de votantes, para cerca de 1600 profissionais de
cinema. Um segundo fator foi destacado pelo editor da revista, Mike
Williams, em entrevista ao The New York Times: “o streaming e a
comunicação digital criaram oportunidades para amplificar vozes e filmes
que antes eram menos vistos”.
A
cobertura de fato ampliou-se, mas há espaço para crescer. África,
América do Norte, Ásia, Europa e Oceania estão representados na lista,
mas não há sequer uma produção da América Latina. O único título
sul-americano de destaque encontra-se na relação dos “cem mais” dos 480
cineastas votantes: “O Pântano” (2001), da diretora argentina Lucrécia
Martel, na 62ª posição.
A
lista dos “dez mais” da votação geral apresenta o citado “Jeanne
Dielman”; “Um Corpo Que Cai” (1958), de Alfred Hitchcock; “Cidadão Kane”
(1941), de Orson Welles; “Era Uma Vez em Tóquio” (1953), de Yasujiro
Ozu; “Amor à Flor da Pele” (2001), de Wong Kar-wai; “2001: Uma Odisseia
no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick; o já referido “Bom Trabalho”;
“Cidade dos Sonhos” (2001), de David Lynch; o também citado “O Homem da
Câmera de Filmar”; e “Cantando na Chuva” (1951), de Stanley Donen e Gene
Kelly.
Metade da lista de
2012 desceu do pelotão principal, conservando-se estes cinco títulos,
contudo, entre os cem mais votados. São “A Regra do Jogo” (1939), de
Jean Renoir, “Aurora” (1927), F. W. Murnau, “Rastros de Ódio” (1956), de
John Ford, “A Paixão de Joana D’Arc” (1927), de Carl T. Dreyer, e “8 e
1/2” (1963), de Federico Fellini.
Revelada
também de forma independente apenas desde 1992, a relação dos dez
favoritos dos cineastas é mais uma vez algo distinta da lista geral,
além de exibir um empate tríplice na décima posição. Pela primeira vez, o
título mais votado é “2001”, sendo seguido por “Kane”, “O Poderoso
Chefão” (1972), de Francis Ford Coppola; “Tóquio”; “Jeanne Dielman”; “Um
Corpo Que Cai”; “8 e 1/2"; “O Espelho” (1975), de Andrei Tarkovski; e
empatados “Quando Duas Mulheres Pecam” (1966), de Ingmar Bergman, “Amor À
Flor da Pele” e “Close-Up” (1989), de Abbas Kiarostami. Do alto da
relação dos diretores, saíram “Taxi Driver” (1976), de Martin Scorsese,
“Apocalypse Now” (1980), de Francis Ford Coppola, e “Ladrões de
Bicicletas” (1948), de Vittorio De Sica, o clássico neorrealista que
liderou em 1952 o primeiro levantamento da Sight and Sound.
O
ingresso de obras do século 21 no alto do cânone geral, com os filmes
de Kar-wai e Lynch, reflete a maior representação da produção
contemporânea na lista, com nada menos que oito títulos estreados desde
2000. Os mais recentes são “Retrato de Uma Jovem em Chamas” (2019), de
Céline Sciamma, no 30º posto; “Moonlight - Sob a Luz do Luar” (2016), de
Barry Jenkins, no 60º; “e “Corra!” (2017), de Jordan Peele, este em
empate sêxtuplo fechando a lista.
Os
anos 1960, a década das “novas ondas” mundo afora, destaca-se mais uma
vez como a de maior representatividade, com um quinto dos títulos mais
lembrados. Seguem-na de perto a década de 1950 (18 filmes) e os
subestimados anos 1970 (14). A era do cinema silencioso (1895-1929)
infelizmente encolheu, com apenas sete títulos e apenas um, “O Homem da
Câmera de Filmar”, resistindo entre os dez mais. Em 2012 eram oito,
sendo três no topo da lista, somando-se ao documentário de Viértov
“Aurora, na quinta posição, e “A Paixão de Joana D’Arc”, na nona.
Quanto
aos documentários, cumpre saudar a ampliação da presença também de
obras não-ficcionais femininas, além da inclusão do híbrido “Close-Up”
(1989), de Abbas Kiarostami. O segundo título de Chantal Akerman na
relação, somando-se ao compassado drama da solitária Jeanne, é seu belo
ensaio autobiográfico “News From Home” (1977), no 52º posto. Também
Agnès Varda (1928-2019) duplicou sua presença, adicionando ao clássico
da “Nouvelle Vague” “Cleo das 5 às 7” (1962, 14ª posição) seu ensaio
metacinematográfico “Os Catadores e Eu” (2000, 67a.). Sim, o sismógrafo
britânico finalmente se aperfeiçoou.