Por Amir Labaki
Na próxima quinta, dia 15, comemora-se o centenário de nascimento de um dos grandes revolucionários do cinema documentário: o americano Robert Drew (1924-2014). Drew foi um dos mentores e pioneiros da escola do chamado Cinema Direto, que dinamizou as filmagens e a narrativa pela maior agilidade na utilização de câmeras mais portáteis e do registro sincronizado de imagem e som.
Como toda autêntica ruptura essencial, Drew não a fez sozinho. No que se tornaria a equipe histórica da Drew Associates, na virada dos anos 1950 para os 60, reuniram-se mestres como Albert Maysles (1926-2015), D. A. Pennebaker (1925-2019) e Richard Leacock (1921-2011), todos exímios diretores de fotografia que desenvolveram carreiras solo como realizadores de documentários clássicos, sobretudo a partir da separação em meados daquela década.
Mas se deve a Drew a sacada de reuni-los em equipe, como diretor, produtor e técnico de som, para chacoalhar a mesmice de documentários estáticos e chatos, narrados por locutores com “vozes de deuses” -o que era padrão, sobretudo nos EUA, mas também mundo afora, com raras exceções, como os movimentos similares quase simultâneos iniciados na época no Canadá e na França. O cinema do real nunca mais foi o mesmo e sua influência apenas se agigantou a partir dos anos 1990 com o impacto da tecnologia digital.
Tive o privilégio de conviver com Drew e sua mulher Anne, parceria essencial como montadora e produtora, a partir da participação dele, em 1998, num inesquecível debate com Maysles, Pennebaker e Leacock, organizado pela curadora Betsy McLane na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Para celebrar a 10ª edição do É Tudo Verdade, em 2005, o casal Drew nos honrou com uma visita a São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, acompanhando a pioneira retrospectiva de seus clássicos, como três dos principais documentários rodados no calor da hora com o presidente americano John Fitzgerald Kennedy (1917-1963).
São eles “Primárias” (1960), sobre a campanha para a indicação do Partido Democrata à disputa presidencial, “Crise” (1963), que registra um momento capital da luta pelos direitos civis dos afro-americanos em sua administração, e “Rostos de Novembro” (1964), um devastador curta-metragem sobre seu funeral. Todos foram lançados posteriormente em dvd na coleção Videofilmes, mas estão esgotados.
Depois de participar de encontros públicos mediados pelos documentaristas João Moreira Salles, no Rio, e Ricardo Dias, em São Paulo, Robert Drew me concedeu uma entrevista filmada sobre sua vida e carreira, para o acervo do festival e um documentário que nunca finalizei. Drew recordou as paixões por cinema e por aviação herdadas de seu pai; sua experiência como piloto de guerra na Itália durante a Segunda Guerra (1939-1945); a oportunidade inicial na equipe de fotografia documental da revista Life; a sacada quanto à necessidade de uma revolução técnica para renovar a linguagem não-ficcional; as primeiras experiências que sedimentaram as bases do Cinema Direto; suas memórias de JFK.
Celebro modestamente Drew transcrevendo dois preciosos trechos de seu depoimento. No primeiro, ele relembra a reflexão que injetou novo frescor ao documentário.
Fala Robert Drew: “Tirei um ano de folga do meu trabalho na Life e fui para Harvard (em 1955) para estudar ‘storytelling’. Havia algo de errado quanto a ‘storystelling’ em documentários. Demorou talvez seis meses. O que eu compreendi foi que algo estava definitivamente errado -- e era o fato de que o filme documental era baseado na palavra. Era a narração”.
“A história estava na narração (sonora), não nas imagens. E, para realmente funcionar, teríamos que registrar imagens espontâneas de pessoas reais e de situações reais, no local onde as coisas
acontecem, e depois editar, não com a narração para mantê-las unidas, mas sim com a edição cinematográfica para mantê-las unidas. Assim poderíamos ter o desenvolvimento de personagens e cenas, poderíamos construir um clima, sucessos e fracassos, mas não estaríamos falando sobre isso o tempo todo. Saí de Harvard com essa compreensão, a de que tínhamos que fazer isso”.
É tocante ainda a evolução de personalidade que testemunhou ao filmar JFK: “Kennedy na campanha era uma figura glamorosa. Ele era confiante e forte e bonito e sua esposa (Jacqueline) era ainda mais linda. Na Casa Branca ele enfrentou um monte de problemas. Envelheceu rápido; ficou mais sóbrio e mais preciso. Ele ainda tinha aquele glamour. Ainda conseguia fazer uma multidão rir”.
“Mas tinha questões a equilibrar e com as quais se preocupar, uma delas a situação racial nos EUA. A integração progredia, mas lentamente”, conta Drew. “Quando fiz o filme “Crise” (1963), que trata de integrar a última universidade que não estava integrada, vi aquele homem lutando com essas grandes dificuldades e tendo de resolvê-las. Ele se tornara um homem muito mais reservado”.
JFK está ao centro também de seu último filme, “Um Presidente a Lembrar” (2008). Não menos memorável foi Robert Lincoln Drew.