Por Amir Labaki
Todos só falam de Oscar. Pudera. A tripla indicação pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood a “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, é um triunfo histórico.
Nunca antes um filme falado em português fora finalista a melhor filme do ano. A outra coprodução brasileira a emplacar uma indicação na categoria principal, “O Beijo da Mulher Aranha” (1985) de Hector Babenco, era uma produção Brasil-EUA falada em inglês. Fernanda Torres, depois da consagração pelo Globo de Ouro, conquistou a merecida visibilidade para posicionar-se com reais chances para levar o prêmio de melhor atriz injustamente arrebatado de sua mãe, Fernanda Montenegro, por “Central do Brasil” em 1999, também de Walter Salles. Quinta produção brasileira indicada a melhor filme internacional, jamais anteriormente concorremos a esse prêmio com similar força no páreo, ainda que o insuportável musical francês “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard, polêmicas à parte, tenha a seu favor a tração de concorrente com maior número de indicações do ano (13), incluindo a melhor filme, como “Ainda Estou Aqui”.
Com simbólica imprecisão, muito se disse e escreveu sobre “Ainda Estou Aqui” ser a primeira produção brasileira a concorrer ao Oscar desde “Central do Brasil”. Ledo engano: a mais recente produção nacional indicada aconteceu há muito menos tempo, em 2020, com “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, um dos cinco finalistas entre os documentários de longa-metragem. A mesma Petra Costa participa a partir do próximo dia 13 do júri da disputa de documentários do 75º. Festival Internacional de Cinema de Berlim.
A Berlinale, sob a nova direção da curadora americana Tricia Tuttle, reafirma-se como a janela mais privilegiada para o cinema brasileiro no trio dos mais tradicionais grandes eventos cinematográficos anuais, ao lado dos festivais de Cannes (maio) e Veneza (setembro). Nada menos que doze produções ou coproduções nacionais foram selecionadas para as diversas mostras do festival alemão, a metade das quais de longa-metragem.
Com “O Último Azul”, Gabriel Mascaro volta a Berlim participando pela primeira vez da competição principal pelo Urso de Ouro. Anna Muylaert também retorna ao festival, apresentando “A Melhor Mãe do Mundo” na mostra fora de concurso Berlinale Especial. Sete anos após receberem por “Tinta Bruta” o Teddy, prêmio para a melhor produção LGBTQIA+ do festival, Márcio Reolon e Filipe Matzembacher concorrem novamente no ciclo Panorama com “Ato Noturno”. A cópia restaurada de “Iracema, Uma Transa Amazônica” (1974), de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, ganha estreia internacional no Forum Special.
A mais extensa participação brasileira (dois longas, dois curtas e uma série) acontece nas duas mostras do ciclo Generation (Kplus e 14plus), com competições para produções que enfocam “vidas e mundos de crianças e jovens”. Em projeção especial, Caru Alvez de Souza volta a participar da mesma Generation 14plus em que esteve em 2020 com “Meu Nome É Bagdá” para lançar agora a série “De Menor”. Em Kplus, “A Natureza das Coisas Invisíveis” (Brasil/Chile) marca a estreia em longas da brasileira Rafaela Camelo.
Com “Hora do Recreio”, Lúcia Murat disputa tanto o prêmio de Generation 14plus quanto o de melhor documentário. Entre os 16 concorrentes não-ficcionais apresentados em várias mostras da Berlinale encontram-se os novos filmes do canadense Dênis Côté, “Paul”, e do ucraniano Vitaly Mansky, “Tempo Para o Alvo”.
O grande vencedor da competição berlinense de documentários do ano passado, “No Other Land”, do coletivo de cineastas israelenses e palestinos formado por Basel Adra, Rachel Szor, Hamdam Ballal e Yuval Abraham, sobre décadas de violentas incursões militares de Israel num vilarejo da Cisjordânia, conseguiu driblar as dificuldades para encontrar um distribuidor nos EUA, dada a conjuntura ultrapolarizada diante da nova tragédia no Oriente Médio, para tornar-se um dos cinco finalistas ao Oscar de melhor documentário de longa-metragem. Mais uma vez, a competição será acirrada, com “Diários da Caixa Preta”, de Shiori Ito (menção honrosa no É Tudo Verdade 2024), “Guerra da Porcelana”, de Brendan Bellomo e Slava Leontyev, “Trilha Sonora Para um Golpe de Estado”, de Johan Grimonprez (em cartaz nos cinemas), e “Sugarcane”, de Julian Brave NoiseCat e Emilly Kassie (Disney+).
Disputa à parte, Alissa Wilkinson foi ao ponto em sua coluna Documentary Lens no New York Times de 31 de janeiro passado, expressando preocupação sobre a luta recente para conseguir distribuição para “documentários altamente elogiados sobre eventos controversos com implicações políticas”. Ao lado de “No Other Land”, que só chegou agora a salas americanas (e com sucesso) graças à “auto-distribuição” pelos produtores, Wilkinson lembrou “Union”, de Stephen Maing e Brett Story, sobre a luta pela sindicalização de trabalhadores de uma central de distribuição da Amazon em Nova York, e “The Last Republican”, de Steve Pink, que retrata a quixotesca oposição ao domínio do Partido Republicano por Donald Trump pelo agora ex-deputado Adam Kinzinger.
“É uma mudança que levanta uma série de questões sobre o futuro dos documentários que não são retratos biográficos de músicos ou histórias de crimes reais, os gêneros aparentemente mais preferidos pelos distribuidores atualmente”, sustenta Wilkinson. Que fique o alerta.