Por Amir Labaki
O
cinema com causa está ao centro da 37ª edição do IDFA - Festival
Internacional de Documentários de Amsterdã, entre os próximos dias 14 e
24. A apresentação da principal mostra competitiva destaca abordagens de
guerras em andamento, da ascensão planetária da extrema direita e do
impacto disruptivo das novas tecnologias. O Convidado de Honra deste
ano, o belga Johan Grimonprez, venceu o prêmio de inovação
cinematográfica no Sundance Film Festival 2024 com “Trilha Sonora para
um Golpe de Estado”, um dos ensaios políticos mais pop da década. Já o
foco do ano apresenta produções clássicas e contemporâneas de Cuba.
Essa
pegada política marca uma das duas co-produções não-ficcionais
latino-americanas selecionadas para a disputa internacional de
longas-metragens. “Da Guerra Fria à Guerra Verde”, de diretora
ítalo-paraguaia Anna Recalde Miranda, os ecos até nossos dias da
Operação Condor, que articulou as máquinas repressoras das ditaduras
militares sul-americanas dos anos 1970. O equatoriano Micha Vallejo Prut
investiga, por sua vez a própria história familiar em “Eco de Luz”.
Em
estilos distintos, o registro político predomina também na ampla
participação brasileira (seis longas, três curtas-metragens) no IDFA
2024. Na mostra Luminous, Ana Rieper debate injustiça e neocolonialismo
no Brasil contemporâneo no ensaio de arquivo “Paraíso”, enquanto em
“Saudades do Rio Doce” Claudia Neubern radiografa os traumas do desastre
do rompimento da barragem em Mariana, Minas Gerais, em 2015. No mesmo
ciclo, a coprodução “Toroboro: El Nombre de Las Plantas”, de Manolo
Sarmiento, recupera as lutas da comunidade indígena Waorani na Amazônia
equatorial.
Duas
realizadoras nacionais mergulham na radicalizada cena política
brasileira dentro da seleção Signed, dedicada a mestres do documentário.
Petra Costa investiga as relações entre Igrejas Evangélicas e o
bolsonarismo em “Apocalipse nos Trópicos”. Já Sandra Kogut, em “No Céu
da Pátria Nesse Instante”, registra no calor da hora o embate entre Jair
Bolsonaro e Lula na eleição presidencial de 2022.
Em
registro mais experimental e intimista, Lírio Ferreira e Carolina Sá
retratam o músico e compositor alagoano Hermeto Pascoal em “O Menino
D’Olho D’Água”, no ciclo “Envision”. Cao Guimarães retorna ao IDFA desta
vez na competição internacional de curtas-metragens com “Tokkotai
Paquetá”, rodado na ilha na baía da Guanabara.
No
Foco em Cuba, dois curtas-metragens de jovens cineastas brasileiros
participam da seleção de títulos rodados para o curso de cinema da
EICTV, em San Antonio de los Baños: “Isla” (2004), de Marcos Pimentel
(Pele), e “Si No Puedo Bailar, Esta No Es Mi Revolución” (2014), de
Lilliah Halla (Levante). A mesma retrospectiva celebra ainda a obra
pioneira da afro-cubana Sara Goméz (1943-1974), de clássicos como o
híbrido “De Cierta Manera” (1974). A participação brasileira conta ainda
com Carlos Helí de Almeida, membro do comitê de seleção do É Tudo
Verdade, no júri da crítica da Fipresci.
Das
mais certeiras escolhas curatoriais do IDFA é a de Johan Grimonprez,
homenageado com a retrospectiva de autor do ano e responsável pela
seleção da mostra Top Ten. Sua produção audiovisual combina engajamento e
experimentação formal, como demonstra “Trilha Sonora Para Um Golpe de
Estado” (com distribuição assegurada para o Brasil), um dos prováveis
semifinalistas da atual disputa do Oscar de melhor longa documental.
Trata-se
de um ensaio sobre descolonização e Guerra Fria com arrojo visual e
ginga musical em torno do assassinato do líder independentista do Congo,
Patrice Lumumba (1925-1961), breve primeiro-ministro da República
recém-liberada da colonização belga, e o envolvimento de músicos de jazz
na guerra cultural num dos ápices do confronto EUA-URSS. A seleção do
Top Ten do multiartista belga comprova a amplitude das influências
fílmicas sobre Grimonprez, incluindo do híbrido “Close-Up” (1990), do
iraniano Abbas Kiarostami, ao mockumentary “Alternative 3” (1977), do
britânico Christopher Miles.
Não
menos oportuna parece a seleção de “About a Hero” (Sobre um Herói), de
Piotr Winiewicz, para a sessão de abertura do dia 14. O cineasta polonês
experimenta como ferramentas de Inteligência Artificial respondem ao
desafio de realizar um documentário à moda dos filmes não-ficcionais de
ninguém menos que Werner Herzog. Com um olho, o sétimo e último IDFA sob
a direção artística do cineasta sírio Orwa Nyrabia encara as
turbulências de hoje; com outro, investiga o futuro do cinema do real.