Por Amir Labaki
Morto há
pouco mais de dois anos, Peter Bogdanovich (1939-2022) está em toda parte. A
Caixa Cultural no Rio de Janeiro apresenta até o próximo domingo (4)
uma retrospectiva quase completa de seus filmes para a tela grande. Num livro
póstumo de entrevistas na França, o diretor de “A Última Sessão de Cinema”
(1971) repassa minuciosamente sua atribulada trajetória, de um dos mais
prestigiados diretores da geração batizada, na virada dos anos 1960 para os 70,
como a Nova Hollywood (Altman, Coppola, De Palma, Friedkin, Penn, Scorsese) a
cineasta bissexto nas últimas quatro décadas de vida. Até podcaster ele se
tornou, num último projeto que teve de ser concluído pelo amigo e diretor
Guillermo del Toro (A Forma da Água).
Bogdanovich
terminou sua saga fechando um círculo ao revisitar os grandes diretores da
Hollywood clássica que ajudou a valorizar em seu início como crítico, curador e
historiador de cinema nos anos 1960. Para seu podcast “One Handshake Away” (a
um aperto de mão de distância) convidou uma nova geração de cineastas hoje no
auge do prestígio para conversar sobre a obra de mestres a partir das
minuciosas entrevistas realizadas por ele (muitas reunidas no obrigatório
“Afinal, Quem Faz os Filmes”, Companhia das Letras, 984 págs, 2000,
infelizmente esgotado).
Dos sete
episódios que seguem o formato planejado, Bogdanovich teve tempo de conduzir
apenas os quatro primeiros. Com Del Toro discute Hitchcock; com Quentin
Tarantino, Don Siegel; com Rian Johnson, Orson Welles; e com o documentarista
Ken Burns, John Ford. Del Toro o substitui nos três últimos, abordando Howard
Hawks com Greta Gerwig, Fritz Lang com Julie Delpy e Raoul Walsh com Allison
Anders.
Apresentado
pela atriz, produtora e ex-mulher de Bogdanovich Louise Stratten, o podcast é
um playground para cinéfilos: bastidores dos encontros originais de
Bogdanovich, trechos deliciosos dos depoimentos, influências jamais imaginadas
vindo à luz. Como bônus, um oitavo episódio reúne Wes Anderson e Noah Baumbach
para discutir tanto a obra Bogdanovich quanto sua influência pessoal como
“mentor” de ambos.
Se em “One
Handshaken Away” Bogdanovich generosamente divide o holofote, no livro de
Jean-Baptiste Thoret o palco é todo dele. “Peter Bogdanovich – Le Cinéma Comme
Élégie: Conversations” (Carlotta, 2023, 220 págs, 20 euros, ainda inédito em
português) se assemelha, na intenção biográfica e na estrutura acronológica, a
“Este É Orson Welles” (Globo, 651 págs, esgotado), o volume de entrevistas
realizadas por Bogdanovich com o diretor de “Cidadão Kane” (1941). Editado a
partir de uma série de depoimentos colhidos a partir de 2009, sempre em Los
Angeles, o livro de Thoret se distingue sobretudo pelo tom mais jornalístico e
menos informal.
Em oito
capítulos, “O Cinema Como Elegia” se alterna entre o mergulho na impressionante
cultura cinematográfica (hollywoodiana seria mais preciso) de Bogdanovich e a
discussão a fundo, da gênese à recepção, de uma dúzia dos 18 longas-metragens
ficcionais para cinema dirigidos por ele entre 1968 (o thriller “Na Mira da
Morte’, produzido por Roger Corman) e 2014 (a comédia romântica “Um Amor a Cada
Esquina”, subestimada e marcadamente lubitschiana). Para um quadro ainda mais
completo, só mesmo na edição do livro de memórias já anunciado.
“Sem querer
parecer pretencioso”, conclui o cineasta ao fim das conversas, “toda vez que
aceitei compromissos, eles (os filmes) falharam”. É didático quanto à
trajetória meteórica de sua trajetória que Bogdanovich sustente que, do
conjunto de sua produção, tenha exercido “controle total” apenas sobre quatro
filmes de sua fase inicial.
Rodados
todos em pouco mais de meia década, são eles a estreia ainda na franja
independente com “Na Mira da Morte” e três filmes feitos em sequência: dois de
seus maiores sucessos hollywoodianos, as comédias “Esta Pequena É Uma Parada”
(1972), estrelada por Barbra Streisand e Ryan O’Neal, e “Lua de Papel” (1973),
também com Ryan e sua filha Tatum O’Neal (a mais jovem premiada com um Oscar),
e o drama adaptado de Henry James com Cybill Shepherd no papel
título, “Daisy Miller” (1974), um devastador fracasso de público e crítica que
inaugurou o rápido declínio de sua carreira. Note-se a ausência na lista da
obra-prima que o catapultou para a linha de frente de sua geração: o
melancólico, mas duro “A Última Sessão de Cinema”.
Na
introdução ao livro, Thoret frisa duas características essenciais da obra de
Bogdanovich. A primeira é a sua busca constante de atingir o grande público,
como seus mestres do auge de Hollywood, creio que sobretudo o Howard Hawks de
“Levada da Breca” (1938), “Jejum de Amor” (1940), “Bola de Fogo” (1941).
A segunda é, de uma forma ou de outra, girar em torno do próprio cinema
ou do mundo do espetáculo: no primeiro caso, “Na Mira da Morte” e “A Última
Sessão de Cinema”, “No Mundo do Cinema” e “O Miado do Gato”, até documentários,
como “Dirigido por John Ford” (1970) e sua despedida com “O Grande Buster: Uma
Celebração” (2018); no segundo, “Impróprio Para Menores” (1992), “Um Sonho,
Dois Amores” (1993), “Um Amor a Cada Esquina”. Não poderia ser mesmo mais
certeiro o subtítulo da retrospectiva carioca: “Uma Vida Para o Cinema”.