Por Amir Labaki
A 29ª edição do É Tudo Verdade apresenta, até o próximo dia 14, 77 documentários de 34 países, além de debates e eventos de formação, em São Paulo e no Rio de Janeiro, e, em streaming no Itaú Cultural Play, de 15 a 30 deste mês, um programa especial com os nove curtas-metragens da competição brasileira e “Paraíso, Juarez” (1971), o primeiro curta-metragem dirigido pelo homenageado pela retrospectiva nacional deste ano, Thomaz Farkas (1924-2011). Em parceria com o Instituto Cultural Vale, uma seleção retomará a itinerância em Belo Horizonte ainda neste semestre.
Pouco mais de uma década depois da pioneira retrospectiva de sua obra no festival, a documentarista brasileira Helena Solberg honra mais uma vez o É Tudo Verdade ao lançar na abertura carioca seu mais recente e autobiográfico documentário, “Um Filme para Beatrice”. Solberg o desenvolve indagando sobre o estado das coisas das conquistas e batalhas das mulheres a partir de uma série de encontros e de uma revisão de sua própria filmografia, inaugurada em 1966 com o curta “A Entrevista” -já um filme sobre as aspirações e os desafios das mulheres de então.
A abertura paulista destaca outro filme assinado por uma cineasta, “O Competidor” de Clay Titley. O concorrente é um candidato a comediante japonês, Tomoaki Hamatsu, de apelido Nasubi (Beringela), que se tornou em 1998 uma celebridade televisiva ao participar, sem o saber, de um pioneiro misto de “game show” e “reality TV”, “Denpa Shōnen: Uma Vida em Prêmios". O programa semanal, gravado sem conhecimento dele, acompanhou por 18 meses como Nasubi sobrevivia nu e inicialmente sem mantimentos, em total isolamento, apenas lançando mão de cupons de concursos de produtos em revistas. A recompensa: um milhão de yens.
Na sessão de encerramento, a estreante Alessandra Dorgan nos embala com a obra e a vida de um dos mais originais e carismáticos intérpretes e compositores da música brasileira pós-Tropicalismo. “Luiz Melodia – No Coração do Brasil” reconstitui sua trajetória a partir da edição de arquivos raros com suas performances e entrevistas.
Não cabe a mim, por razões éticas, entrar em detalhes sobre a robusta safra das quatro competições, que qualificam seus vencedores à inscrição para a disputa do próximo Oscar de melhor longa documental e de melhor curta documental. São sete longas brasileiros e treze internacionais, com nove curtas-metragens participando de cada uma das disputas do formato.
Como “hors concours”, quatro filmes fazem suas estreias mundiais ou no país nos Programas Especiais. Um dos quinze semifinalistas ao último Oscar de documentário de longa-metragem, vencedor da categoria principal da mais importante distinção paralela para obras não-ficcionais nos EUA (Cinema Eye Honors), “32 Sons”, de Sam Green, é um fascinante ensaio sobre o papel do som em nossas vidas.
Em “Antonio Candido – Anotações Finais”, Eduardo Escorel partilha uma autêntica cerimônia de adeus de um dos maiores pensadores do Brasil no último século, a partir dos últimos diários e do arquivo familiar do autor de “Os Parceiros do Rio Bonito” e “Formação da Literatura Brasileira”. Outro mestre, Jorge Bodanzky, revela uma personalidade eletrizante e quase desconhecida de nossas artes visuais, a alemã de nascimento Eleonore Koch (1926-2018), em “As Cores e Amores de Lore”.
Simultaneamente à abertura de uma grande exposição sobre sua obra no Itaú Cultural, a fotógrafa Claudia Andujar ganha talvez seu retrato fílmico mais completo em “A Senhora das Flechas”, da suíça Heidi Specogna. De suas origens na traumatizada Europa da sanha nazista às experiências novaiorquinas de juventude, da formação autodidata já aqui no país de adoção à obra maiúscula, como fotógrafa e como militante, ligada ao povo yanomami, está tudo lá.
Falando em imensas fotógrafas brasileiras, entre os seis filmes da mostra informativa O Estado das Coisas Alberto Renault apresenta “Anna Mariani -Anotações Fotográficas”, sobre uma das artistas mais delicadas e singulares do último quarto do século 20 no Brasil. Por sua vez, o Foco Latino-Americano comprova em quatro títulos de jovens realizadores a marcante diversidade da produção regional.
Estabelecido em 2021, o ciclo Clássicos É Tudo Verdade convida tanto à revisita de obras incontornáveis da história do cinema não-ficcional como à celebração da própria arte cinematográfica. Em pré-estreia mundial, “O Cinema Por Dentro”, de Chad Freidrichs, investiga a articulação entre as regras da montagem fílmica e os mecanismos da mente humana. Além de homenagens a Federico Fellini, a Jean-Luc Godard e à cineasta e pioneira diretora de fotografia israelense Nurith Aviv, a seleção deste ano saúda o centenário de nascimento de Robert Drew (1914-2014), um dos protagonistas da revolução da escola americana do Cinema Direto, e comemora o cinquentenário da Revolução dos Cravos que redemocratizou Portugal após quase meio século de autoritarismo salazarista.
Aceite o convite da hipnótica foto de Thomaz Farkas nas artes desta 29ª edição -e mergulhe.
