Por Amir Labaki
A
96ª entrega do Oscar, o prêmio máximo da Academia de Artes e Ciências
Cinematográficas de Hollywood, foi uma cerimônia de consagração ainda
maior do que a esperada para “Oppenheimer”, do britânico Christopher
Nolan, com as vitórias em sete categorias (para 13 indicações),
incluindo três das principais: melhor filme, diretor e ator, Cillian
Murphy. A maior surpresa da noite foi o triunfo de Emma Stone como
melhor atriz por “Pobres Criaturas”, do cineasta grego Yargos Lanthimos,
o segundo filme mais premiado (quatro) como já fora o vice-líder também
em número de indicações (onze).
O
reconhecimento para “Oppenheimer” abraça um manifesto pacifista sob a
forma de uma complexa biografia de um dos criadores da bomba atômica,
celebra a grandiosidade do cinema épico de que Hollywood se tornou
sinônimo antes de ceder ao facilitarismo dos blockbusters de
super-heróis e reverencia com certo atraso o talento invulgar de Nolan,
um dos mais arrojados cineastas a se estabelecer na indústria
audiovisual no século 21 combinando ousadia narrativa e sensibilidade
popular. Como ignorar a excepcionalidade de uma filmografia que em duas
décadas apresentou “Amnésia” (2000), “Insônia” (2002), a dupla
reinvenção da franquia “Batman” (2008, 2012), “A Origem” (2010),
“Interestelar” (2014), “Dunkirk” (2017)?
Por
sua vez, o desempenho maiúsculo com a quadrupla premiação ao erotismo
gótico de “Pobres Criaturas” entroniza Yargos Lanthimos no posto de
“enfant terrible” europeu que já foi recentemente do dinamarquês Lars
von Trier. Com uma pegada algo menos misantrópica que a do diretor de
“Dogville” (2003) e “Melancolia” (2011), Lanthimos desenvolve uma obra
marcada por universos antinaturalistas e fantasmagóricos (O Lagosta,
2015, A Favorita, 2018). Tomara não ceda à tentação de imitar-se a si
mesmo.
No
tradicional ecumenismo na distribuição de estatuetas, apenas três dos
dez concorrentes ao Oscar de melhor filme saíram de mãos abanando:
“Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese, “Maestro”, de
Bradley Cooper, e, pena, “Vidas Passadas”, de Celine Song. Com uma
exceção, não me parece ter havido flagrantes injustiças.
“Anatomia
de Uma Queda” conquistou o Oscar de roteiro original para Justine Triet
e Arthur Hariri, enquanto “Ficção Americana” valeu o prêmio de roteiro
adaptado a Cord Jefferson. “Os Rejeitados” consagrou como atriz
coadjuvante Da’vine Joy Randolph, ficando o de ator coadjuvante com
Robert Downey Jr. de “Oppenheimer”. O prêmio de melhor som distinguiu
merecidamente “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer, mas não posso
dizer o mesmo de sua escolha como melhor filme internacional.
Premiado
pela melhor canção (What Was I Made For?, interpretada por Billie
Eilish), “Barbie”, de Greta Gerwig, é uma história à parte. Da cena de
abertura gravada pelo apresentador Jimmy Kimmel com Margot Robbie à
apoteótica performance musical de Ryan Gosling para a segunda canção
indicada do filme (I’m Just Ken), o roteiro da cerimônia desenvolveu-se
como uma espécie de festa de consolação para o fenômeno das bilheterias
pós-pandemia. A noite foi de “Barbenheimer”, cada qual com seu quinhão.
Mas
foi também um Oscar de sonoras mensagens políticas. A guerra
Hamas-Israel fez-se presente na manifestação pró-Palestina no exterior
do Dolby Theatre que atrasou o início da transmissão e nos broches
vermelhos clamando por um cessar-fogo em Gaza ostentados por
concorrentes como Billie Eilish e Mark Buffalo. Ao receber o prêmio de
filme internacional para sua abordagem do cotidiano de nazistas vizinhos
a Auschwitz, o diretor Jonathan Glazer, judeu britânico, leu um texto
vigoroso denunciando a “desumanização”, tanto a perpetrada pelo
Holocausto como enfocado em “Zona de Interesse” quanto a das “vítimas
dessa desumanização” no “7 de Outubro em Israel” e no “corrente ataque
em Gaza”.
As
milhares de vítimas de outra guerra, a da Rússia na Ucrânia, foram
pranteadas pelo cineasta ucraniano Mstysav Chernov ao receber o Oscar de
melhor documentário de longa-metragem por “20 Dias em Mariupol”, um
devastador registro das mortes, mutilações e destruições do início da
invasão. Como se ainda fosse preciso, sua mensagem robusteceu-se pela
exibição, na abertura do segmento In Memorian, de um trecho do vencedor
na categoria no ano passado. Eis o líder oposicionista russo Alexei
Navalny, morto no mês passado num Gulag contemporâneo, alertando: “Se
eles decidirem me matar, isso significa que somos incrivelmente fortes. A
única coisa necessária para o triunfo do mal é pessoas do bem não
fazerem nada”.
Tudo
somado, raras vezes nas últimas edições o Oscar estampou com similar
nitidez o Zeitgeist. Arregacem as mangas e apertem os cintos.