Por Amir Labaki
O diretor Norman Jewison (1926-2024) deu azar de morrer no final da semana passada, no meio da expectativa concentrada da indústria e da mídia do entretenimento em torno do anúncio do Oscar. Recebeu aqui e ali bons obituários, mas nada proporcional à dimensão de seu prestígio nos tempos áureos, no final dos anos 1960 e começo dos 70. Quase centenário, estava afastado dos holofotes há quase duas décadas. O mundo gira, a Lusitânia roda.
Canadense de nascimento, Jewison faz parte da geração de cineastas formados essencialmente pela direção de TV que tomaram de assalto à fragilizada Hollywood dos anos 60, como Sidney Lumet, Sydney Pollack e John Frankenheimer. O obituário de The New York Times os lembra como diretores “mais conhecidos por fazer filmes que tratavam de questões sociais”. É uma meia verdade.
Alguns dos principais títulos dirigidos pelo talentoso quarteto se enquadram de fato na definição. A trilogia sobre a discriminação a afro-americanos (No Calor da Noite, 1967, A História de um Soldado, 1984, Hurricane – O Furacão, 1999) talvez seja o mais lembrado da extensa filmografia de Jewison. Na de Lumet, brilham “Um Dia de Cão” (1975) e “Rede de Intrigas” (1977). Pollack pouco vezes foi maior do que em “A Noite dos Desesperados” (1969) e “Os Três Dias do Condor (1975). E Frankenheimer ostenta no alto de seu currículo “Sob o Domínio do Mal” (1962) e “Sete Dias em Maio” (1964).
Mas a diversidade de suas produções transcende o registro dos dramas sociais. Frankenheimer fez sucesso com filmes de ação como “Grand Prix” (1966), “Operação França 2” (1975) e “Ronin” (1998). Pollack foi um mestre de filmes românticos, lembre-se de “Nosso Amor de Ontem” (1973), “Tootsie” (1982) e “Entre Dois Amores” (1985). Lumet foi um craque também em policiais como “Assassinato no Orient Express” (1974), “O Príncipe da Cidade” (1981) e “Armadilha Mortal” (1982).
A obra de Jewison também desafia classificações estanques. Basta recordar que suas três indicações ao Oscar de melhor diretor (nenhuma vitória) vieram de gêneros distintos: drama social (No Calor da Noite, Oscar de melhor filme), musical (Um Violinista no Telhado, 1972) e comédia romântica (Feitiço da Lua, 1997).
Categorizações cinematográficas devem-se em geral a simplistas leituras temáticas. Os filmes de Jewison, embora não seja ele um inovador como, digamos, Stanley Kubrick, diferenciam-se entre si em forma. Há uma saudável busca de um estilo que melhor sirva a cada enredo.
Rodados em anos consecutivos, “No Calor da Noite” não poderia ser visualmente mais distinto de “Crown, O Magnífico” (1968). Também filmados em sequência, o musical “Jesus Cristo Superstar” (1972) nada se assemelha ao distópico “Rollerball: Os Gladiadores do Futuro” (1975). Tirados os créditos, quem atribuiria ao mesmo cineasta os dois últimos títulos de maior impacto de sua filmografia, “Feitiço da Lua” e “Hurricane”?
Em quase meio século de carreira, Jewison mais acertou do que errou em duas dezenas e meia de filmes para a tela grande. Assiste-se com prazer mesmo a obras menores. Ficando apenas em duas comédias românticas de momentos polares de sua produção, é notável a leveza e a agilidade tanto de “Não Me Mandem Flores” (1964), ainda uma das mais deliciosas parcerias entre Doris Day e Rock Hudson, como de “Só Você” (1994), reunindo Robert Downey Jr e Marisa Tomei.
Não faltam boas histórias tampouco em sua trajetória. Prenunciando a trilogia antirracista em cinema, foi dele em 1960 a direção do primeiro especial musical de TV de um protagonista afro-americano, “Belafonte, New York 19”. Acidentes de férias com os respectivos filhos o fizeram encontrar num hospital com Robert Kennedy (1925-1968), que se entusiasmou (“timing é tudo”) com seu projeto em andamento (No Calor da Noite), e pessoalmente, um ano depois, lhe entregou o prêmio da Critics’s Choice.
O assassinato de Bobby, em cuja campanha presidencial Jewison se engajara, e de Martin Luther King Jr. (1929-1968), assim como a ascensão à Presidência de Richard Nixon (1913-1994) e de Ronald Reagan (1911-2004) ao governo da Califórnia, calaram fundo. “Estava bastante desencantado com a América e o Vietnã. (...) Quando tive a oportunidade de dirigir ‘Um Violinista do Telhado’, decidi mudar com minha família inteira para a Europa”.
Lá ficaram por oito anos -e três filmes. Norman Jewison além de tudo tinha o coração do lado certo.