Por Amir Labaki
Uma nova lista engrossa o cânone cinematográfico a partir do número duplo especial de julho/agosto da revista americana The New Republic. Numa pesquisa coordenada pelo veterano crítico J. Hoberman, “A Batalha de Argel” (1966), de Gillo Pontecorvo, foi eleito “o mais significativo filme político de todos os tempos”.
A relação dos dez mais votados apresenta ainda “Sob o Domínio do Mal” (1962), de John Frankenheimer, “Doutor Fantástico” (1964), de Stanley Kubrick, “Todos os Homens do Presidente” (1976), de Alan J. Pakula, “O Nascimento de Uma Nação” (1915), de D. W. Griffith, “Triunfo de uma Vontade” (1935), de Leni Riefenstahl, “O Encouraçado Potemkin” (1927), de Serguei Eisenstein, “Faça a Coisa Certa”(1989), de Spike Lee, “Shoah” (1985), de Claude Lanzmann, e “Um Rosto na Multidão” (1955), de Elia Kazan.
A caracterização do universo pesquisado distingue essa votação das similares mais tradicionais, notadamente a clássica investigação a cada década conduzida pela revista britânica Sight and Sound do British Film Institute. Por sugestão de Hoberman aos editores, perguntou-se não sobre o “melhor”, mas sim sobre “o mais significativo’. A diferença não é pequena. “Melhor” é questão de excelência, ainda que por critérios pessoais. Para “mais significativo”, a régua já é bem outra: influência, algo um pouco menos subjetivo.
Em seu comentário sobre o levantamento, disponível online em www.thenewrepublic.com assim como a relação dos cem títulos mais lembrados, Hoberman já abre assumindo o restrito foco. “Virtualmente todos que enviaram listas”, um total de 79 especialistas, “críticos, programadores e acadêmicos”, “estão baseados nos EUA”, reconhece. “Consequentemente, filmes americanos e gosto americano prevalecem”.
Assim, nada menos que seis dos dez mais votados, e metade dos cem no topo, são produções americanas. Com 35 votos, a liderança de “A Batalha de Argel”, uma produção argelino-italiana dirigida por um italiano, sobre a luta pela independência da Argélia, é a grande exceção, no que Hoberman celebra como “uma vitória do cosmopolitismo”.
Não surpreende, portanto, que sejam americanos o filme mais antigo da lista principal, o épico silencioso de louvação da supremacia branca “O Nascimento de Uma Nação”, e o mais recente, “Selma” (2014), em que Ava DuVernay dramatiza um episódio central da luta anti-racista nos EUA dos anos 60, classificado em 24º lugar. Racismo, nota o organizador, pauta oito das produções americanas entre os 50 títulos mais votados.
É natural, assim, que sejam americanos quase metade dos cineastas que emplacaram mais de um título entre os cem mais: Alan J. Pakula, John Ford, Oliver Stone. Spike Lee e Warren Beatty. A lista destes diretores contempla ainda o soviético Aleksandr Dovjenko, o franco-suiço Jean-Luc Godard, o chinês Jia Zhang-ke, a alemã Leni Riefenstahl, o britânico Peter Watkins, o haitiano Raoul Peck, e o soviético Serguei Eisenstein. Godard puxa a fila, com facilidade, com nada menos que sete obras neste panteão.
Tanto este ranking de realizadores (cinco dos mais votados) quanto a dos dez mais (quatro) demonstram a forte representação dos cinemas europeus. O quadro é outro se atentarmos para a seleção de obras da América Latina. Apenas quatro emplacaram presença na centena mais lembrada, nenhum brasileiro, nem mesmo “Terra em Transe” (1967), de Glauber Rocha, ou “Cabra Marcado para Morrer” (1984), de Eduardo Coutinho.
Dois são chilenos: “A Batalha do Chile”, documentário em três partes de Patrício Guzmán sobre o governo Allende e o golpe sanguinário de Pinochet, no 18º posto, e, no 79º, a ficção “No” (2012), de Pablo Larraín, a respeito do plebiscito que em 1988 varreu a ditadura instalada em 1973. O cubano “Memórias do Subdesenvolvimento” (1968), de Tomás Gutiérrez Alea, sobre a crise existencial de um escritor frente ao
regime de Fidel Castro, aparece na 27ª. posição, enquanto na 32ª. destaca-se o tríptico documental argentino “A Hora dos Fornos” (1968), um ensaio sobre neocolonialismo e revolução dirigido por Octavio Gettino e Fernando Solanas.
Que metade das produções latino-americanas sejam documentários guarda coerência com a relativamente expressiva presença não-ficcional na votação. Documentário perfazem quase um quinto dos títulos no topo (19), sendo dois entre os dez mais (Triunfo da Vontade; Shoah) e três entre os 21 mais votados, “Harlan County: Tragédia Americana” (1976) de Barbara Kopple, “A Batalha do Chile” e o curta-metragem “Noite e Neblina” (1956), de Alain Resnais.
Além dos dois brasileiros citados, quais outras ausências me chamaram a atenção, respeitado o critério de “mais significativo”? Entre os documentários, não há nenhum filme de Joris Ivens, nem mesmo “Terra de Espanha” (1937), ou de Michael Moore, possivelmente “Tiros em Columbine” (2002), tampouco um dos mais marcantes catalisadores da urgente conscientização preservacionista, “Uma Verdade Inconveniente” (2006), de Davis Guggenheim.
Para as ficções, esta coluna também seria insuficiente, então lembro apenas “Sindicato de Ladrões” (1954), de Elia Kazan, “A Hora Final” (1959), de Stanley Kramer, “A História Oficial” (1985), de Luis Puenzo, e “Asas do Desejo” (1987), de Wim Wenders.
E para você? Cheque a lista e deixe seu voto no site da The New Republic. Em política e em listas de filmes, debate é a regra do jogo. Aliás, o clássico de Jean Renoir de 1939 é outro inexplicavelmente ausente.