Por Amir Labaki
Nenhuma surpresa será grande o bastante, e nem mesmo um novo tombo de audiência televisiva, roubará a antecipada sensação de triunfo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood quanto à 95ª cerimônia de entrega do Oscar, no Dolby Theatre de Los Angeles neste domingo (12). A lista de dez indicados a melhor filme do ano vai além das produções tradicionalmente consideradas como candidatas ao prêmio, com filmes americanos de maior ambição social ou estética e obras consagradas realizadas fora dos EUA posicionadas na disputa ao lado de grandes sucessos de bilheteria.
O tabuleiro do Oscar ampliou-se. De saída, o grande favorito do ano, tanto pelo maior número de indicações (11) quanto pela esteira de premiações pelas associações de categorias profissionais (atores, diretores e produtores), “Tudo Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo”, de Daniel Kwan e Daniel Scheinert, em seu carrossel frenético inspirado pela narrativa de games e de seriados adolescentes, não lembra exatamente as produções mais sóbrias que fizeram a história do prêmio.
O mesmo pode ser dito de “Top Gun: Maverick”, blockbuster de Tom Cruise dirigido por Joseph Kosinski, saudado como filme redentor do cinema em salas após a freada radical imposta pela epidemia da Covid-19. O apelo popular também credenciou “Elvis”, o videoclipe estendido e milionário realizado por Baz Luhrmann a partir da trajetória do pioneiro do rock’n roll. “Avatar: O Caminho das Águas”, a sequência da saga ecofuturista de James Cameron, se insere igualmente entre os campeões de bilheteria e distingue a exploração de novas fronteiras no desenvolvimento dos efeitos especiais, pelos quais deve colher suas estatuetas.
Quatro dos concorrentes na categoria, muito distintos entre si, piscam para o atual cinema de autor à Hollywood. É este selo que Steven Spielberg reclama, após décadas de resistência, com seu autobiográfico “Os Fabermans”, curiosamente uma das obras menos convincentes de sua filmografia. Pretensão estética é o menor dos problemas de “Tár”, de Todd Field que consegue a proeza de extrair um desempenho desnorteado de Cate Blanchett.
Mais convincentes dentro da tradição de qualidade dos finalistas do Oscar, e curiosamente passados ambos em comunidades isoladas, são “Os Banshees de Inisherin”, a parábola gótica do irlandês Martin McDonagh, e “Entre Mulheres’, a alegoria feminista à Atwood (O Conto da Aia) adaptada pela canadense Sarah Polley do romance de Miriam Toews. Depois de duas raras vitórias consecutivas de mulheres diretoras (Chloé Zhao e Jane Campion), a categoria voltou neste ano ao habitual clube do Bolinha -sem Polley, com McDonagh.
Por fim, a marcante e salutar (e tardia) internacionalização da Academia certamente contribuiu para duas produções não-americanas concorrerem a melhor filme: o alemão “Nada de Novo no Front’, de Edward Berger, e o sueco “Triângulo da Tristeza”, que valeu a inacreditável segunda Palma de Ouro de Cannes a Ruben Östlund. Pouparei o leitor de retomar minha impaciência frente a mais uma sátira rasteira de Östlund, desta vez centrada em influenciadores, modelos e multimilionários.
Terceira versão para as telas do romance antibelicista clássico de Erich Maria Remarque (1898-1970), “Nada de Novo no Front” faz ecoar em sua crua radiografia das trincheiras da Primeira Guerra (1914-1918) a atual guerra sanguinária da Rússia de Putin na Ucrânia. A força de sua metáfora se fez sentir vigorosamente ao receber o BAFTA (o “Oscar” britânico) de melhor filme e não surpreenderá se desbancar, na disputa de melhor filme internacional, a didática lição de justiça de “Argentina, 1985”, de Santiago Mitre.
Talvez a mais equilibrada competição do ano se trave entre os cinco indicados ao Oscar de melhor documentário de longa-metragem. As vitórias recentes no BAFTA e na Associação dos Produtores dos EUA sinalizam o novo favoritismo de “Navalny”, de Daniel Roher, sobre a perseguição a um dos líderes oposicionistas russos.
Seria imprevidente, contudo, subestimar a empatia e a urgência da mensagem ecológica do indiano “Tudo O Que Respira”, de Shaunak Sen, como demonstra a nobre lista de premiações conquistadas, em festivais como o Sundance e Cannes. “Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft”, de Sara Dosa, também somou prêmios, como a recente vitória no Sindicato dos Diretores dos EUA, e se distinguiu nas bilheterias americanas. Com menores chances, qualidades próprias à parte, parecem ter “All The Beauty and The Bloodshed”, o retrato da ativista e fotógrafa Nan Goldin que valeu o Leão de Ouro de Veneza a Laura Poitras, e “A House Made of Splinters”, de Simon Lereng Wilmont, sobre os traumas infantis infligidos pelo ataque à Ucrânia.
Sinal dos tempos: todos os principais concorrentes, incluindo os dez disputando o prêmio principal, já estrearam por aqui e podem ser vistos em salas ou em plataformas de streaming. Ao menos ficou mais fácil torcer.