Por Amir Labaki
O crescimento também do interesse universitário e editorial pelos documentários, em paralelo com o mercadológico, me faz recordar sem nostalgia a dificuldade bibliográfica para os estudos da produção não-ficcional, não só em português, quando cursei Cinema no início da década de 1980 na ECA-USP. Já estava me formando quando meu professor da cadeira, ninguém menos que Jean-Claude Bernardet, reuniu finalmente em livro, em 1985 pela Editora Brasiliense, aquele que se tornaria um dos clássicos pioneiros sobre o documentário brasileiro, “Cineastas e Imagens do Povo”, em torno da produção de meados dos anos 1960 e início dos 1970, relançado em versão ampliada há duas décadas pela Companhia das Letras.
Havia pouco mais de dez anos da publicação do que viera à luz “Documentary, A History of Non-Fiction Film” (1974) do holandês radicado nos EUA Eric Barnouw (1908-2011), de imediato um dos mais influentes volumes internacionais resumindo mundialmente a história da produção de documentários, até hoje inédito por aqui. Seria impossível resumir o amplo desenvolvimento histórico-bibliográfico desde então, exemplificado pela edição nacional em 2011, quinze anos após o lançamento original na França, da bela síntese de Guy Gauthier em “Documentário, Um Outro Cinema” (Papyrus).
Seguindo a escola de Barnouw, acaba de ser publicada nos EUA a terceira edição de “A New History of Documentary Film” (Bloomsbury Academic, 446 págs, US$ 34,95), de uma das principais especialistas americanas, Betsy A. McLaine. Com a mesma pegada didática sem transigir na elegância estilística, o novo volume expande e atualiza as duas edições prévias de 2005 (co-escrita por Jack C. Ellis) e de 2013.
Não se trata de uma história mundial do documentário, contudo, mas sim de seu desenvolvimento nos EUA, Canadá e Reino Unido. O foco se amplia nos capítulos iniciais, durante o estabelecimento do cinema não-ficcional ainda na era silenciosa, para sintetizar as contribuições pioneiras no cinema europeu (com as “sinfonias da metrópole” de Alberto Cavalcanti, Walter Ruttman e Joris Ivens) e na produção soviética (Dziga Viértov à frente).
Na sequência da afirmação histórica do cinema não-ficcional, destacam-se capítulos certeiros sobre a “institucionalização” da produção no período britânico (1929-1939) a partir da liderança do canadense John Grierson (1898-1972) e com o estabelecimento em 1939 do National Film Board do Canadá. Talvez o ápice da apresentação histórica seja, porém, o capítulo dedicado ao impacto renovador, nos anos 1960, das escolas quase simultâneas do “Direct Cinema” (Drew, Leacock, Maysles, Pennebaker) e do “Cinéma Verité” (Jean Rouch).
A cada nova edição, há de louvar-se a ampliação da abordagem dedicada à contribuição histórica tradicionalmente marginalizada da produção documental de cineastas mulheres, LGBTQIA+, de origem afro, asiática e de povos originários. No sempre desafiador empenho de abordar a história do presente (século 21), McLaine frisa o diálogo crescente entre documentário e animação e o vigor da produção experimental.
Pela diversidade de suas contribuições, seis documentaristas com carreiras centradas nos EUA dos anos 2000 ganham breves e agudos perfis: Werner Herzog (O Homem Urso), Errol Morris (Sob a Névoa da Guerra), Alex Gibney (Táxi para a Escuridão), Michael Moore (Tiros em Columbine), Stanley Nelson (Os Panteras Negras) e Barbara Koppe (Harlan County). A respeito do quarto citado, McLaine não poupa as baterias: “A maior contribuição de Moore para a história do documentário é demonstrar que documentários sobre questões sociais podem fazer dinheiro em lançamentos em salas”.
Na algaravia da presente era digital, é admirável descobrir o olhar otimista de Betsy A. McLaine no capítulo final. “Enquanto a produção fílmica por celular e as tecnologias de streaming alteram o que e como as coisas poderiam ser gravadas, e as formas como este material pode ser visto, elas não alteram os propósitos e problemas da realização documental”, argumenta ela. “Na verdade, as tecnologias tornam as questões e preocupações do papel dos documentários mais urgentes”.
E assevera: “Enquanto o mundo caminha precariamente para a metade do século 21, a tradição do documentário tem muito a oferecer. Documentários têm estado sempre na dianteira para enfrentar os problemas difíceis, e continuam a fazer isso”. CQD.