Por Amir Labaki
Há muitas histórias do cinema americano para ler, mas nenhuma narrada por tantos de seus protagonistas como “Hollywood: The Oral History” (Harper, 768 págs, US$ 35,50), editado pela professora Jeanine Basinger e pelo jornalista Sam Wasson e lançado no nos EUA no final de 2022, ainda sem edição prevista por aqui. Basinger e Wasson mergulharam em “mais de três mil transcrições” de encontros promovidos desde 1969 pelo American Film Institute (AFI) e batizados “Harold Lloyd Master Seminars” em homenagem à conversa inicial com um dos gênios da comédia silenciosa.
Não é a primeira publicação obrigatória originada pelos ecléticos seminários da AFI, iniciados dois anos após sua abertura. Em 2006, seu diretor-fundador, o hoje nonagenário George Stevens, Jr., filho do realizador de “Assim Caminha a Humanidade” (1956), organizou a antologia “Conversations with The Great Moviemakers of Hollywood’s Golden Age at the American Film Institute” (Randon House, 710 págs, também inédito em português). O volume reunia a transcrição 32 encontros e felizmente não limitava a diretores a classificação de “fazedores de filmes”, incluindo craques da direção de fotografia como James Wong Howe (Férias de Amor, 1955) e do roteiro como Ernest Lehman (Intriga Internacional, 1959) ao lado de cineastas como Frank Capra, Alfred Hitchcock e Billy Wilder. Mais: tampouco se restringia à “era de ouro de Hollywood”, ao apresentar os bate-papos com ninguém menos que Jean Renoir, Federico Fellini, Ingmar Bergman e Satyajit Ray.
O livro editado por Stevens nos aproxima da personalidade e da trajetória de três dezenas de protagonistas do primeiro século do cinema. Já o volume editado por Basinger e Wasson é um supletivo sobre a evolução coletiva da máquina de sonhos estabelecida no início do século passado na costa oeste dos EUA. São, portanto, distintos e complementares.
“Hollywood: The Oral History” estrutura-se cronologicamente em 17 capítulos, de “Começos” a “Monstros”. O extraordinário arco temporal coberto pelos cerca de 320 palestrantes vai de Lillian Gish (1893-1993), musa do pioneiro D. W. Griffith (Intolerância, 1916), a Jordan Peele, diretor de “Corra!” (2017) e “Não! Não Olhe!” (2022).
Em favor da fluidez narrativa, a grande sacada editorial de Basinger e Wasson foi a de abrir mão de introduções e notas, interpondo pontualmente esclarecimentos ou comentários próprios no fluxo das citações. É assim, por exemplo, que no começo dos mais longo dos capítulos, dedicado às diversas categorias profissionais envolvidas no sistema de estúdios que teve seu auge entre as décadas de 1930 e 1950, Basinger argumenta: “Os estúdios eram uma força econômica, rigorosamente organizada para ser dirigida e controlada por altos executivos, com um definido e detalhado sistema estabelecido (...) Para entender como o sistema de estúdios funcionava, é necessário considerar todos seus departamentos, os trabalhos na folha de pagamento”.
Estruturado em torno sobretudo das chamadas “sete grandes”, MGM, Warner, Paramount, Universal, RKO, Twentieth Century-Fox e Columbia, o sistema de estúdios (“um tipo de fábrica”, concordam os pioneiros Merian C. Cooper e Raoul Walsh) veio abaixo há mais de seis décadas, muito devido à obrigação dos estúdios venderem seus cinemas, como radiografa o décimo capítulo, mas para bem ou para mal parece ser ainda o modelo do que se convencionou chamar de Hollywood. Cinco dos capítulos, totalizando quase metade do volume, giram em torno do “gênio do sistema”, ecoando não sem contida nostalgia o orgulho de Frank Capra (1897-1991), diretor de “A Felicidade Não Se Compra” (1946): “O que é notável é quantos dos filmes antigos podem ser exibidos hoje”.
Nos quatro capítulos finais, Basinger e Wasson investigam como, após o breve verão da “nova Hollywood” de cineastas independentes (Altman, Bodganovich, Friedkin, Penn) da virada dos anos 1960 para os 1970, grandes corporações abocanharam a indústria e, com “Tubarão” (1975) e “Guerra nas Estrelas” (1977), a era dos blockbusters nivelou tudo pelo resultado nas bilheterias do primeiro final de semana de exibição. Infelizmente apenas de passagem “Hollywood: A Oral History” se refere ao impacto recente do “streaming” e das pequenas telas em celulares e tablets.
Uma espécie de mantra fatalista, atribuído ao roteirista William Goldman (1931-2018), perpassa alguns comentários finais: “Ninguém sabe nada”. Citação por citação, prefiro ainda a de Norma Desmond, a ex-estrela da era muda interpretada por Gloria Swanson (1899-1983) em “Crepúsculo dos Deuses” (1950), de Billy Wilder, celebrado merecidamente na capa do livro: “Foram os filmes que encolheram”.