Por Amir Labaki
Os documentários, quem
diria, são a maior história da temporada de verão do cinema americano
deste ano. Pela primeira vez, três produções não-ficcionais lançadas num
espaço de dois meses ultrapassaram nas bilheterias a marca de US$ 10
milhões, colocando o trio entre as 80 maiores arrecadações de 2018.As
duas principais publicações dedicadas à indústria do entretenimento nos
EUA destacaram o fenômeno. A “Variety” os classificou com “sucessos
surpresa”. “Hollywood Reporter” foi além, falando num “boom do cinema
não-ficcional”.
“Won’t You Be My
Neighbour?” (Você Não Quer Ser Meu Vizinho?), de Morgan Neville, puxa a
fila. Com mais de US$ 22,5 milhões em ingressos vendidos, tornou-se o
recordista entre os documentários biográficos de todos os tempos, o
campeão não-ficcional nas salas americanas dos últimos cinco anos e o
14o documentário de maior sucesso em circuito comercial da história
(“Fahrenheit 11 de Setembro”, de Michael Moore, ainda longe no topo, com
os US$ 119 milhões de 2004).
Depois de ter vencido o
Oscar contando a história de grandes talentos anônimos dos vocais de
apoio do pop americano em “A Um Passo do Estrelato” (2013), Neville
continuou na vereda de perfis culturais retratando agora Fred Rogers
(1928-2003), um dos mais populares apresentadores de programas infantis
dos EUA entre 1968 e 2001.
“Mr. Rogers” não tem
similar brasileiro. Com roupas normais, em cenários despretensiosos, ele
interagia como o tio mais simpático de sua audiência mirim e com
convidados. Apresentado pela PBS (a principal estação de TV pública dos
EUA), seu programa foi pioneiro no campo infantil a tratar de questões
como divórcio e racismo.
Muito mais inesperado é
colocar uma juíza da Suprema Corte de Justiça dos EUA ao centro, como no
segundo documentário mais visto nesta temporada americana. É o feito de
Julie Cohen e Betsy West com “RBG”, as iniciais da octagenária Ruth
Bader Ginsburg, a segunda mulher a ser empossada no mais alto tribunal
federal dos EUA, por indicação em 1993 de Bill Clinton.
Infelizmente pouco
conhecida por aqui, RBG é uma instituição americana. De origem modesta,
filha de imigrantes russos, enfrentou forte preconceito para se firmar
na machista cena judicial dos EUA, tornando-se uma militante essencial
nas batalhas pela igualdade de gênero. Hoje a decana da Suprema Corte, é
também a líder de sua ala mais liberal, famosa por registrar em votos
veementes sua dissidência frente a decisões vencidas pelos
conservadores.
Como adianta o próprio
título, passa ao largo da fama de seus protagonistas o sucesso de “Three
Identical Strangers” (Três Estranhos Idênticos), do britânico Tim
Wardle. O acaso reuniu já aos 19 anos, em 1980, os trigêmeos David
Kellman, Bobby Shafran e Eddie Galland, adotados por famílias de
distintos estratos sociais num experimento de dar frio na espinha levado
a cabo por um dos mais renomados psicólogos infantis dos EUA, dr. Peter
Neubauer (1913-2008).
Seus heterodoxos estudos
sobre o impacto do ambiente social sobre o desenvolvimento de gêmeos
foram revelados num artigo de Lawrence Wright (O Vulto das Torres) para
New Yorker em 1995, base para seu quinto livro, “Twins: And What They
Tell Us About Who We Are” (Gêmeos: E O Que Eles Nos Contam Sobre Quem
Somos), publicado em 1997 e inédito no Brasil. O segundo capítulo do
volume trata do caso de David, Bobby e Eddie, que descobriram o
parentesco, omitido até para suas novas famílias, apenas ao se
reencontrarem.
A partir de materiais de
arquivo e especialmente de novas entrevistas com dois dos irmãos e com
Wright, Wardle reconstitui a história fora do comum da separação no
berço e reunião já na juventude do trio. Com uma bilheteria de mais de
US$ 11,7 milhões, o filme lança novas luzes, mesmo para eles, sobre o
macabro gabinete do dr. Neubauer e revela-lhes as alegrias e percalços
após tão extraordinário reencontro.
Não me convenceram as
formulações sobre uma pretensa atmosfera alegre e edificante que,
segundo profissionais e analistas do mercado cinematográfico ouvidos
tanto pela “Variety” quanto por “Hollywood Reporter”, aproximariam
““Won’t You Be My Neighbour?”, “RBG” e “Three Identical Strangers”,
constrastando com o clima de pega para capar da atual era Trump. Em
comum mesmo, há a estreia no Sundance 2018 e apresentarem histórias
reais de notável originalidade.
Se é para ficar com uma
hipótese, prefiro a de Morgan Neville: “Os documentários de maneira
geral estão contando o tipo de histórias adultas complexas que não têm
sido mais contadas com muita frequência em Hollywood”.