Por Amir Labaki
Um
grande simpósio internacional em Prato, na Itália, nos dias 21 e 22 do
próximo mês, promete ser o ápice das celebrações de 120 anos de
nascimento de Serguei Mikhailovitch Eisenstein (1898-1948), o mais
célebre dos cineastas soviéticos graças a clássicos como “O Encouraçado
Potemkin” (1925). Entitulado “Eisenstein para o Século 21”, o encontro
vai reunir a nata dos especialistas em sua vida e obra, como o guardião
de seu acervo, Naum Kleiman, o britânico Ian Christie e o italiano
Antonio Somaini.
Nem
o Google deixou a data precisa (22 de janeiro) passar em branco,
dedicando a Eisenstein o seu Doodle do dia. A comemoração iniciou,
contudo, no final do ano passado, com a publicação do deslumbrante álbum
“Eisenstein On Paper: Graphic Works by The Master of Film”, de Naum
Kleiman (Thames & Hudson, 320 págs, US$ 95).
É
desses livros que obrigam um radical releitura de seu protagonista.
Eisenstein primeiro celebrizou-se mundo afora como diretor de cinema, o
mais badalado internacionalmente da aurora ainda silenciosa da produção
fílmica soviética. Sua nada mais importante produção teórica projetou-se
sobretudo postumamente, em reflexões estéticas para muito além de
textos vinculados às suas próprias obras, como mesmo no Brasil comprovam
as constantes reedições pela Zahar de “A Forma do Filme” e “O Sentido
do Filme”, que trazem porém apenas a ponta do iceberg.
“Eisenstein
On Paper” finalmente torna visível o Eisenstein desenhista, com uma
produção que se inicia para valer ainda na adolescência e só seria
interrompida pela sua precoce morte aos 50 anos, em plena desgraça
oficial durante a recrudescência da repressão por Stálin no imediato
pós-guerra. Pela primeira vez são reunidas numa mesma edição 500 de suas
obras gráficas, cobrindo um arco temporal entre 1911, quando contava 13
anos, e 1947, seu penúltimo ano de vida.
Há
um notável intervalo temporal em que Eisenstein pousou o lápis, entre
1923 e 1931, não por coincidência no início de sua produção artística,
inicialmente no teatro, como cenógrafo e diretor, e posteriormente em
filme, iniciando-se em longa-metragem com “A Greve”, de 1924. Em sua
iluminadora introdução, batizada “Regras do Jogo”, Kleiman interpreta a
pausa não como uma real interrupção e sim como uma expansão da atividade
gráfica de Eisenstein para fora do papel e para dentro dos palcos e das
telas de cinema.
Partindo
de uma fórmula defendida por escrito pelo próprio Eisenstein, que
vinculava dialeticamente seus cinema, desenho e teoria, Kleiman vai além
desse “triângulo equilátero”. Defende, isso sim, “um círculo dinâmico”,
no qual “tudo está ligado a tudo mais”: “São apenas os materiais e as
condições que variavam. Nunca as regras do jogo”.
Detendo-se
especificamente nesta faceta menos conhecida de sua obra, Kleiman
discute e minimiza comparações anteriores com Jean Cocteau, Henri
Toulouse-Lautrec e Henri Matisse, com os quais aqui e ali podem-se
flagrar semelhanças específicas e superficiais. O referencial é antes
literário do que pictórico: uma versão gráfica da escrita automática dos
surrealistas e das experiências de James Joyce.
As
gravuras automáticas de Eisenstein seriam, assim, “uma diário visual de
sua vida interior”. Sua lendária erudição, comprovada até mais em seus
escritos teóricos e memorialísticos do que em filmes, projeta-se
inequivocamente em seus desenhos, caricaturas, pequenas histórias em
quadrinho e esquetes de produção para teatro, ópera e cinema.
Eis,
na adolescência, um caricatura do ex-czar Nicolau 2, e, na sua fase
final, uma série dedicada a Rimbaud. Eis animais antropomorfizados em
burgueses e um tourada como crucificação, de sua extraordinária e
interrompida aventura para rodar “Que Viva México” (1931). Eis uma série
com São Sebastião e várias de desinibido pan-erotismo, estas aliás
reunidas pioneiramente na França no álbum “Dessins Secrets” (Éditions du
Seuil, 1999, 192 págs, esgotado).
Há
outro livro, indeclarado, em “Eisenstein on Paper”. Exegeta sem
paralelos, editor da maior parte de sua obra escrita, Naum Kleiman nos
regala com seu mais extenso e inovador ensaio biográfico de Serguei
Eisenstein no correr do textos para os seis capítulos do livro. É a
partir dele que deverão ser lidas as biografias anteriores, da pioneira
de Marie Seton (1952, ainda, disse-me Kleiman, a menos insatisfatória)
às posteriores, de Yon Barna (1966), Ronald Bergan (1997) e Oksana
Bulgakova (1998).
No
prefácio, Martin Scorsese nota que nas últimas décadas a reputação de
Eisenstein, como talvez a de Chaplin, “se enfraqueceu um pouco”. Com
“Eisenstein On Paper”, conclui ele, “vocês vão se maravilhar e sua
compreensão daqueles filmes extraordinários se expandir”. Aos 120 anos,
enfim, que viva Eisenstein!