Por Amir Labaki
Só
mesmo James Bond para fazer-me pela segunda vez encarar um filme
protagonizado por George Lazenby. É “Becoming Bond”, de Josh Greenbaum,
disponível por aluguel via Now e para assinantes da Hulu
americana, depois de ter recebido um dos prêmios do público do Festival
SXSW deste ano.
Lazenby
protagonizou aquele que talvez seja o maior erro de escalação de elenco
da história do cinema. Sem qualquer experiência prévia como ator, foi
escolhido para substituir Sean Connery na sexta produção oficial para a
tela grande das aventuras do agente secreto britânico criado em livro
por Ian Fleming (1908-1964), “A Serviço Secreto de Sua Majestade”
(1969). Até hoje, é o único a ter interpretado 007 apenas uma vez.
Ao
aproximar-se dos 80 anos (é de 1939), “Becoming Bond” dá-lhe a
oportunidade de apresentar sua versão da história. É preciso, porém, ter
alguma paciência, pois mais de metade do documentário retrata as
primeiras três décadas de sua vida, com largo recurso a reencenações
ilustrativas de seu depoimento.x
Capítulos
batizados a partir de paráfrases de títulos da série reconstituem sua
frágil saúde durante a primeira infância, a inapetência para estudos,
sua formação sexual e amorosa, e a profissionalização como mecânico e
depois vendedor de carros, até que uma paixão de juventude o levou a
trocar a Austrália pela “swinging London” de 1964. Descoberto por um
fotógrafo numa agência de automóveis, Lazenby conta como virou “um dos
principais modelos masculinos da Europa da noite para o dia”.
Não
foi, contudo, sua presença em campanhas de Marlboro ou do popular
chocolate Big Fry que o colocou na mira dos produtores Harry Saltzman
(1915-1994) e Albert R. “Cubby” Broccoli (1909-1996). A grande chance de
Lazenby surgiu ao cobrir um amigo como par, numa première
cinematográfica, da agente Maggie Abbott (Jane Seymour, a “Bond girl” de
“007 - Viva e Deixe Morrer”, 1973).
Abbott
o achou “seguro” e “arrogante” o bastante para tentar a sorte nos
testes em desenvolvimento para a escolha do novo Bond. Lazenby lembra
como surrupiou de um alfaiate um terno feito para Connery, cortou o
cabelo no mesmo barbeiro dele e ostentou um Rolex para o primeiro
encontro com o produtor de elenco, Dyson Lovell. Nas reuniões com ele e
com Saltzman, inventou um currículo cinematográfico em países distantes e
emplacou uma entrevista com o diretor do filme, o também estreante
Peter Hunt (1925-2002), que participara como montador ou diretor da
segunda unidade dos cinco primeiros filmes.
Com
Hunt, Lazenby jogou limpo e conquistou uma vaga nos quatro meses de
testes, alguns dos quais enriquecem o modesto material de arquivo
acessado por Greenbaum. Acabou, deus sabe como, escolhido.
Mesmo
sobre as filmagens, nas quais contracenava com estrelas da época como
Diane Rigg (da telessérie britânica “Os Vingadores”) e Telly Savalas
(1922-1994) como o arquivilão Blofeld, o Bond de “A Serviço Secreto de
Sua Majestade” é econômico em detalhes. “Eu não sabia na verdade se
estava bem ou não”, confessa. “Fazia o melhor de mim”. Tudo regado a
vodca, maconha e promiscuidade.
“Sean
Connery criou James Bond. Como eu poderia ser melhor do que Sean
Connery como James Bond?”, indaga Lazenby hoje. A questão era outra,
como provariam seus sucessores Roger Moore (1927-2017, sete filmes),
Timothy Dalton (dois), Pierce Brosnan (quatro) e Daniel Craig (partindo
para o quinto, com estreia marcada para novembro de 2019), cada qual
reinventando o papel segundo seus talentos e as exigências do
“zeitgeist”.
Bastam
três minutos do filme de Hunt para perceber que havia um insosso
intruso na locação. Rosto pentagonal, furo no queixo, postura pouco
firme, entre camisas de babados e até um surreal “kilt”, Lazenby parece
dar sequência à paródia bondiana “Cassino Royale” (1967), dirigida a dez
mãos, incluindo as de John Huston (1906-1987), e não suceder ao
anterior Bond de Connery “Com 007 Só Se Vive Duas Vezes”, do mesmo ano.
Ao
contrário da lenda, “Sua Majestade” não fracassou na bilheteria, mas
representou um passo atrás em tudo (arrecadação, inclusive) para a
franquia. Tampouco Lazenby foi demitido, tendo recusado a oferta de um
novo contrato para sete novos filmes, que classificou como “de
escravidão”. Para Greenbaum, sustenta até hoje não saber explicar porque
pulou fora.
Ao
contrário dos demais intérpretes de James Bond, a carreira de ator de
George Lazenby não teve segundo ato digno de nota, mas ele enriqueceu
atuando no mercado imobiliário. “Quando repenso, acho que deveria ter
feito dois, só para provar que não fui dispensado”. A seu modo, agora
fez.