Por Amir Labaki
Há mentiras, mentiras deslavadas e estatísticas, dizia Mark Twain citando Disraeli. Ainda assim, não é perda de tempo analisar o minucioso estudo sobre o mercado de documentários na França publicado no mês passado pelo CNC (Centro Nacional do Cinema e da Imagem Animada). Para fins de comparações com os dados brasileiros da Ancine (Agência Nacional de Cinema), vou restringir-me aos números referentes às salas de cinema, deixando de lado mercados complementares hoje essenciais como as TVs, crescentes como a distribuição on-line ou em retração como os DVDs e Blu-rays.
Documentários levaram 3,3 milhões de espectadores aos cinemas na França no ano passado, sendo que 2,7 milhões foram assistir produções não-ficcionais gaulesas (83,7%). No total, foram vendidos 213,1 milhões de ingressos em 2016, representando os documentários assim 1,55% do total de entradas. Se ficarmos apenas nos títulos franceses, o total de ingressos vendidos foi de 75,1 milhões, contribuindo portanto a não-ficção com 4,4% do público do ano.
Dos 118 documentários que estrearam naquele país, 79 eram produções francesas (67% das estreias do gênero). Em 2015, os números eram respectivamente 107, no total, e 70, nacionais (67,3%). Chama a atenção que 91 destes títulos não-ficcionais venderam menos que 20 mil ingressos e apenas quatro, todos franceses, mais de 100 mil: “Les Saisons” (As Estações), “Merci Patron!” (Obrigado Patrão!), “Les Pépites” (As Petitas) e “Mon Maitrê D’École” (Meu Mestre da Escola).
Nenhum dos quatro sucessos franceses entrou em cartaz no Brasil. Contudo, já estrearam por aqui os três documentários internacionais mais vistos na França no ano passado: “Gaga, O Amor Pela Dança”, do cineasta israelense Tomer Heymann (92 mil ingressos lá), “Janis: Little Girl Blue”, da americana Amy Berg (65 mil) e “Fogo no Mar”, do italiano Gianfranco Rosi (64 mil). Nas bilheterias brasileiras, apenas “Janis” repetiu a boa performance (25 mil ingressos), sendo o segundo documentário estrangeiro mais visto em 2016 (o campeão foi “Francofonia”, de Alexander Sokurov, com quase 28 mil espectadores).
No mercado brasileiro, também foi nacional o documentário mais visto no ano passado: “O Começo da Vida”, de Estela Renner, sobre a importância dos primeiros anos da vida na formação de todos nós segundo recentes pesquisas neurocientíficas (35 mil espectadores). Em 2016, estrearam 44 documentários brasileiros, para um total recorde de 143 lançamentos nacionais, representando assim 30,7% das estreias, contra 39% de 2015 (52 docs, 132 filmes brasileiros no total). Constata-se um pequena queda mas a marca de 2016 é ainda assim a terceira maior desde 1995.
No ano passado, filmes brasileiros venderam 30,4 milhões de ingressos, frente a um total de 184,3 milhões de entradas vendidas. Desse total, apenas 162,8 mil foram para assistir documentários nacionais, com 88,7 mil prestigiando documentários estrangeiros. Em média, cada título não-ficcional brasileiro conquistou 3700 espectadores no ano passado; na França, a marca é quase dez vezes maior, com uma média de 34 mil ingressos por documentário.
Resumindo, documentários brasileiros representaram 30,7% das estreias nacionais e 0,53% do público de nossos filmes, enquanto na França representaram 16,5% das estreias gaulesas para 4,4% da bilheteria total dos filmes franceses. Restringindo-me ao universo dos números, é possível arriscar duas explicações.
A primeira: em média, cada documentário francês entrou em cartaz em 22 salas. No Brasil, no ano passado apenas dois dos 44 lançamentos empatou esta marca, com cada título em média sendo lançado em 5,9 salas, sendo que 30 das estreias ficaram abaixo disso, não raramente com um número limitado de sessões diárias (dois dos cinco horários habituais). O resultado está severamente comprometido já na largada.
Dada a ausência de dados específicos quanto ao mercado brasileiro, a segunda explicação é empírica, logo especulativa. Um total de 10 milhões de euros (36,4 milhões de reais) foi aplicado na publicidade das estreias documentais na França no ano passado, incluindo cartazes, trailers e anúncios em mídia impressa, rádio e televisão.
Em média, cada documentário investiu 92,5 mil euros (336,7 mil reais) em campanhas de lançamento no mercado francês. É um valor simplesmente astronômico para o frágil modelo comercial das estreias de documentários no Brasil.
Duvido que qualquer dos títulos não-ficcionais, brasileiros ou internacionais, lançados no país em 2016 tenha podido investir algo remotamente próximo a esse valor. Quando se fala que os documentários têm sido arremessados no circuito brasileiro, eis duas das justificativas.