Por Amir Labaki
Em seu primeiro final de semana, muito cinema brasileiro passa pelas telas do 67a Festival Internacional de Cinema de Berlim. Nada menos que dez dos doze
filmes nacionais selecionados terão, entre hoje e domingo, suas
primeiras projeções. O festival decolou ontem com “Django”,
cinebiografia do violonista Django Reinhardt (1910-19053) dirigida pelo
estreante francês Étienne Comar.
Vale
destacar o amplo espectro da produção brasileira presente no principal
festival alemão. A dúzia da escolhidos inclui animação, ficção e
documentário, longas e curtas-metragens e ao menos duas gerações
distintas de cineastas, com notável participação feminina (seis
diretoras). Esta diversidade é tão expressiva quanto a quantidade de
selecionados, marcando todas as principais seções do evento.
O
concorrente brasileiro ao Urso de Ouro, o prêmio máximo da Berlinale,
“Joaquim”, uma revisita da saga de Tiradentes por Marcelo Gomes, fará
sua estréia apenas no dia 16. O retorno à disputa principal nos lembra
que, nos últimos 18 anos, o país venceu por duas vezes o festival, com
“Central do Brasil”, de Walter Salles, em 1998, e, uma década mais
tarde, com “Tropa de Elite”, de José Padilha. Desta vez, Gomes
concorrerá com apenas um cineasta já detentor do Urso de Ouro, o romeno
Calin Peter Netzer, premiado em 2013 por “Instinto Materno” e agora na
disputa com “Ana, Mon Amour”.
Ao
menos cinco pesos-pesados ainda não vencedores do festival participam
da competição: a polonesa Agnieska Holland (Rastro), o finlandês Aki
Kaurismaki (O Outro Lado da Esperança), a húngara Ildiko Enyedi (De
Corpo e Alma), a britânica Sally Porter (A Festa) e o alemão Volker
Schlondörff (Retorno de Montauk). Apenas mais um cineasta
latino-americano também concorre: o chileno Sebastian Lelio (“Uma Mulher
Fantástica). Depois da vitória inédita de um documentário, “Fogo no
Mar” de Gianfranco Rosi, outra obra não-ficcional busca repetir o feito:
“Beuys”, do alemão Andres Veiel. Há ainda uma isolada animação, “Tenha
Um Bom Dia”, do chinês Liu Jian.
A
participação brasileira começa já forte. Debutam hoje “Vazante”, de
Daniela Thomas (Panorama Especial) e o documentário curto “Estás Vendo
Coisas”, de Bárbara Wagner e Benjamim De Burca (Berlinale Curtas).
Amanhã será a vez do documentário “No Intenso Agora”, de João Moreira
Salles (Panorama Documento), e das ficções “Como Nosso País”, de Laís
Bodanzky, e “Pendular”, de Júlia Murat, ambos no Panorama, e “Rifle”, de
Davi Pretto (Fórum).
No
domingo, quatro filmes: os longas ficcionais “As Duas Irenes”, de Fábio
Meira (Geração Kplus), “Devore Meu Coração!”, de Felipe Bragança
(Geração 14plus) e “Mulher do Pai”, de Cristiane Oliveira (Geração
14plus) e o curta de ficção “Em Busca da Terra Sem Males”, de Anna
Azevedo (Geração Kplus). Por fim, o curta de animação “Vênus – Filó, A
Fadinha Lésbica”, de Sávio Leite, será exibido pela primeira vez no
Panorama na próxima terça, dia 14.
Dos
grandes festivais, a Berlinale foi historicamente o primeiro a ampliar a
seleção de documentários. Cannes recuperou parte do atraso criando há
dois anos um prêmio especial, o Olho de Ouro, para as produções
não-ficcionais dispersas por suas várias seções, vencido no ano passado
por “Cinema Novo”, de Eryk Rocha.
Berlim
segue a onda, estabelecendo nesta edição o Prêmio Glasshütte Original
de melhor documentário. Presidido pela diretora americana Laura Poitras
(Cidadãoquatro), o júri escolherá o vencedor entre 16 títulos
documentais pré-selecionados nas diversas mostras, sendo três deles
latino-americanos: o argentino “Soldado”, de Manuel Abramovich, o
chileno “O Pacto De Adriana”, de Lizzette Orozco e o mexicano “A
Liberdade do Diabo”, de Everardo González.
Azar
dos jurados não encontrar-se nesta lista de finalistas a volta de João
Moreira Salles ao cinema, uma década depois de “Santiago”: “No Intenso
Agora”, escrito, narrado e dirigido por ele. "Apesar da distância,
tenho a impressão de que são filmes aparentados”, explicou João em texto
para a imprensa. “Não me refiro apenas ao aspecto pessoal dos
documentários, mas também ao modo como eles foram realizados. ‘Santiago’
talvez seja sobre o pai, enquanto ‘No Intenso Agora’ é sobre a mãe".
“No
Intenso Agora” é um ensaio documental que parte de filmagens amadoras
realizadas por sua mãe, Elisa Moreira Salles, durante uma visita à China
de Mao em 1966, primeiro ano da Revolução Cultural. A reflexão sobre
aquelas imagens leva João a examinar outros registros da época, com
ênfase no maio de 1968 na França e na invasão soviética que pôs fim à
Primavera de Praga no mesmo ano.
Não
surpreende, assim, que se entitule “Passado Progressivo: Arquivos Vivos
da Revolução” o debate da tarde da quarta, dia 15, do qual João Moreira
Salles participará ao lado de Andres Veiel, que antes de “Beuys”
realizou um filme sobre o grupo terrorista alemão Fração do Exército
Vermelho (Caixa Preta Alemanha, 2002, exibido no É Tudo Verdade), e da
curadora Dorothee Wenner. O que eu não daria para Dany Cohn-Bendit
passar por lá.