Por Amir Labaki
Donald Trump assume hoje a Presidência dos EUA. O surreal se torna fato. Um documentarista entreviu o pantanoso futuro em meio àquela fumaça histriônica da campanha: Michael Moore.
Quatro meses antes da eleição, Moore escreveu em seu blog: “Cinco Razões Pelas Quais Trump Vai Vencer". Já na primeira delas, matava a pau: “A Matemática do Meio-Oeste, ou Bem-Vindo ao Nosso Brexit do ‘Rust Belt’ (Cinturão Industrial)”. E prosseguia: “Acho que Trump vai concentrar muito da sua atenção em quatro Estados tradicionalmente democratas do cinturão industrial dos Grandes Lagos — Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin”.
Na mosca. Trump venceu em todos eles. Em três deles, com diferenças menores a 45 mil votos. Nas duas eleições presidenciais anteriores, a vitória tinha sido de Barack Obama. Tivesse Hillary ouvido Moore e concentrado ali sua campanha, sua vitória nas urnas teria se traduzido também em triunfo no Colégio Eleitoral.
No documentário “Michael Moore em Trumplândia”, lançado às vésperas da eleição americana e disponível no Brasil pelo Now, o cineasta usava as armas de Trump para despir a ele e a seus potenciais eleitores. Isto é, falou o que tinha de ser dito sem jargões ou meias-palavras, sem seguir o discurso politicamente correto: Trump iria ser eleito pelo brucutu branco, pelo machão desesperado diante do avanço no poder das fatias mais progressistas da sociedade americana.
Moore fazia piada sobre como os trumpistas temiam a sucessão possível de líderes na Presidência americana. Primeiro, um negro: Obama. Depois, uma mulher: Hillary. Qual a sequência natural? Um ou uma presidente homossexual, seguido/a por um transsexual na Casa Branca. Era este um dos pesadelos indeclarados pelo eleitor de Trump.
É natural que o presidente hoje empossado tenha se vangloriado da maior votação relativamente ao previsto que recebeu de mulheres, negros e latinos. Fazia mais fumaça, como a dizer: todos os setores me elegeram.
De fato, Trump recebeu 42% do voto feminino, 8 % do afro-americano e 28% do latino. Mas foi mesmo o macho branco pouco escolarizado (67% pró-Trump) que lhe deu a maioria de votos necessária para, mesmo perdendo no total dos eleitores, vencer nos Estados que lhe garantiram a vitória no ultrapassado Colégio Eleitoral.
Sua eleição representa a vitória do rancoroso subempregado e do rico inescrupuloso, do “bully” da déli mas sobretudo do caipira da América profunda. Trump venceu em 80% do total de cidades, sendo superado no total pela vantagem aberta por Hillary nos centros urbanos de maior porte.
Foi lá que colou a mensagem antiestablishment e antiglobalização (nacionalismo mais xenofobia) de Trump. Que a roda da história inviabilize suas promessas de reindustriaização à antiga pouco importou. O descompromisso de Trump, com as próprias palavras, eleito como em campanha, escuda-se num vale-tudo retórico blindado pelo oportunismo reacionário.
Faça o que fizer, diga o que falar ou tuitar, Trump tem a postos, nas casas, nas ruas e nas redações, seus cruzados da “alt-right” para defender-lhe as sandices e agredir seus detratores. Uma clássica propaganda da “Folha”, de autoria de Washington Olivetto, nos lembrava que uma grande mentira pode ser composta dizendo apenas pequenas verdades.
O exemplo mais recente foi a polêmica a partir do discurso de Meryl Streep na última cerimônia do Globo de Ouro. Meryl desconstruiu Trump a partir de três marcos da campanha presidencial dele: a hostilidade a imigrantes, a mímica desrespeitosa de um jornalista com deficiência física e o ataque à imprensa.
Como sempre, Trump respondeu à crítica insultando o opositor. Como sempre, fugiu do específico. Contava, naturalmente, com sua claque. Como disse Oscar Wilde, só gente superficial não julga pelas aparências.
Estreia hoje a primeira temporada do “Trump Show”, com impacto direto e temerário no mundo concreto. Trump afinal indicou para cada pasta de seu gabinete o “Trump” da área.
Numa cena de “Trumplândia”, Michael Moore parodiava uma edição de telejornal sobre a posse de Trump, concluindo-a com o novo presidente terceirizando a Casa Branca para a filha Ivanka e o genro Jared Kushner e o governo para o vice-presidente Mike Pence. Trump sendo Trump, a primeira parte da piada já é oficial, com a nomeação do genro como seu assessor especial.
O primeiro milagre do presidente Donald Trump foi tornar o ex-presidente George W. Bush um modelo de déspota esclarecido. Até 2020, não faltarão filmes de Michael Moore.