Por Amir Labaki
Barack Obama despede-se na próxima semana da Presidência dos EUA, com a posse no próximo dia 20 do empresário e comunicador Donald J. Trump como o 45o presidente americano. É óbvio que não se tratará apenas de uma alternância a mais entre democratas e republicanos no topo do poder executivo federal. Assiste-se, isso sim, à mais radical ruptura de paradigmas políticos ao menos desde que em 1981 o republicano Ronald Reagan (1911-2004) impediu, de lavada, a reeleição do então presidente democrata Jimmy Carter.
Como abordar o legado de Obama? Eis um desafio para historiadores futuros. Os sinais não são tão claros quanto parece indicar sua incapacidade para fazer de Hillary Clinton sua sucessora.
Primeiro, Trump venceu no Colégio Eleitoral, mas foi derrotado por Hillary por uma diferença de cerca de 3 milhões de votos populares. Segundo: uma pesquisa de final de ano do Pew Research Center apontou que 46% dos entrevistados julgavam a dupla administração Obama como acima da média, contra 37% de respostas negativas.
É interessante como são praticamente estes os números de uma pesquisa Gallup realizada quando deixava o poder, em janeiro de 1969, outro presidente democrata que não conseguiu fazer seu sucessor: Lyndon B. Johnson (1908-1973). Ok, as circunstâncias eleitorais foram muito distintas, a começar do fato de LBJ ter aberto mão de disputar um novo mandato, desgastado sobretudo pela cisão da sociedade americana diante da escalada por ele pilotada da guerra no Vietnã.
Não existe uma equivalência, no caso da derrota de Obama, quanto a similares repercussões internas de equívocos de política externa. Ainda assim, me parece haver grande semelhança entre os governos LBJ e Obama quando se analisa o muito maior sucesso na concretização de suas agendas sociais internas do que no desenvolvimento de suas políticas internacionais.
Lyndon Johnson foi o presidente que fez passar a legislação de igualdade de direitos aos negros, estabeleceu as pioneiras bases de um sistema de segurança médica (Medicare e Medicaid) e decretou “guerra à pobreza” almejando transformar os EUA na “Grande Sociedade”. Por sua vez, Obama retomou os eixos econômicos e devolveu o país ao crescimento depois de herdar a pior crise desde a de 1929, estimulou a economia baseada em recursos renováveis, bancou a legalização do casamento entre homossexuais, e com o Obamacare ampliou a cobertura por planos de saúde para 20 milhões de americanos antes desprotegidos.
Aos pesquisadores de amanhã não faltarão subsídios em documentários da última década para examinar os avanços e tropeços da era Obama, tanto no front interno quanto no externo. Para começar, “Trabalho Interno” (2010, dvd e online), de Charles Fergurson, funciona como um mergulho didático na devastada economia americana deixada de herança pelo governo George W. Bush.
Michael Moore navega pelas mesmas águas em “Capitalismo: Uma História de Amor” (2009, dvd). Ampliando para outros problemas sociais a abordagem de seu “S.O.S Saúde” (2007), em “O Invasor Americano” (2015, agora no iTunes e Netflix) Moore visita sobretudo países europeus em busca de políticas públicas eficientes, destacadamente em educação, direitos trabalhistas e combate às drogas.
“The Case Againt 8” (2014, HBO), de Ben Cotner e Ryan White, sobre a vitoriosa batalha nos tribunais pelo direito ao casamento de dois casais, um gay, outro lésbico, apresenta um exemplar estudo de caso demonstrando o extraordinário avanço dos direitos da comunidade LGBT na era Obama. Por outro lado, o acirramento das tensões raciais no período, desafiando o primeiro presidente afro-americano, encontrou sua mais poderosa síntese em “A 13a Emenda” (2016, Netflix), de Ava DuVernay.
Apenas de forma fragmentária documentários já captaram ecos da doutrina Obama de, simplificadamente, contenção militar e ênfase no “soft power” na cena internacional. Como sempre, despontaram primeiro mais registros críticos do que narrativas de sucessos como os elencados por David Remnick em “The New Yorker” (fim da guerra no Iraque, execução de Bin Laden, acordos com Irã e Cuba).
“Nowhere to Hide” (2016), de Zaradasht Ahmed, vincula a saída das tropas americanas do Iraque à expansão do EI. O norueguês “Drone” (2014), de Tonje Hessen Schei, põe em xeque o recurso à nova arma pilotada à distância. Por sua vez, a denúncia por Edward Snowden da extensão do programa americano de vigilância planetária, registrada por Laura Poitras em “Cidadãoquatro” (2013), representou um baque ético do qual Obama talvez jamais venha a plenamente se recuperar apesar dos ajustes efetivados.
“Obama, O Filme” não tarda. Mas antes estreia o show de Trump. Apertem os cintos.