Por Amir Labaki
Tudo indica que, como no ano passado, a disputa pelo Oscar de melhor documentário longa-metragem será, em fevereiro próximo, mais renhida do que a pelo prêmio principal para ficção. Daqui a um mês, serão conhecidos os quinze semifinalistas, reduzidos a cinco indicados em 24 de janeiro de 2017.
Vários dos favoritos já passaram por aqui, em festivais, como o É Tudo Verdade, o Festival do Rio e a corrente Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em TVs por assinatura ou estão disponíveis pelo Netflix. É bom lembrarmos que nem sempre foi assim.
Treze títulos me parecem largar à frente rumo ao menos a um posto na primeira seleção. Para facilitar, podemos agrupá-los em quatro grandes divisões temáticas.
O primeiro bloco sintoniza-se com o recrudescimento das tensões raciais nos EUA. É formado por “A 13a Emenda”, de Ava DuVernay, “I Am Not Your Negro”, do diretor haitiano Raoul Peck, e “OJ: Made in America”, de Ezra Edelman.
Distintos em suas linhas narrativas centrais, não surpreende contudo que partilhem referências a momentos agudos das batalhas pelos direitos afro-americanos no século 20, como a marcha de Selma, Alabama, e os tumultos de Watts, Califórnia, ambos em 1965, e os tumultos de 1992 em Los Angeles após a absolvição dos policiais responsáveis pelo espancamento do taxista negro Rodney King (1965-2012).
Comentado nesta coluna há duas semanas, “A 13a Emenda” (Netflix) é um autêntico supletivo sobre as várias máscaras institucionais assumidas pela opressão aos afro-americanos desde o fim da escravidão nos EUA em 1865. Raoul Peck, por sua vez, radiografa um período da luta de resistência a este processo, a partir de um ensaio deixado inédito pelo escritor James Baldwin (1924-1987) com suas memórias sobre três lideranças assassinadas, Medgar Evers (1925-1963), Malcolm X (1925-1965) e Martin Luther King, Jr. (1929-1968).
Produzido pela emissora esportiva ESPN, “OJ: Made in America” é a autópsia de uma tragédia. Quase oito horas, divididas em cinco partes, desconstroem a ascensão e queda de O. J. Simpson, antes, durante e depois do assassinato em 1994 de sua ex-mulher Nicole Brown e do amigo dela Ronald Goldman, pelo qual foi criminalmente absolvido.
Seis dos prováveis concorrentes tratam de questões políticas ou crises internacionais. Emergências humanitárias formam o principal pano de fundo para o debate metacinematográfico de “Cameraperson”, de Kirsten Johnson, como aqui escrevi na última semana. “Jim: The James Foley Story”, de Brian Oakes, reconstitui o sequestro e morte por decapitação do fotojornalista americano pelo Estado Islâmico em 2014, não poupando a postura omissa do governo Obama.
A nova onda de imigração de refugiados para a Europa nunca foi melhor traduzida em suas dimensões pessoais e cotidianas do que em “Fogo ao Mar”, rodado na ilha italiana de Lampedusa por Gianfranco Rosi. Sua indicação poderá ser dupla, pois é o representante oficial da Itália na disputa ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
A insegurança dos arsenais nucleares e o espectro de guerras cibernéticas dão frio na espinha respectivamente em “Command and Control”, de Robert Kenner, e “Zero Days”, de Alex Gibney. A partir do livro de Eric Scholsser (Companhia das Letras), Kenner reconstitui a catástrofe nuclear evitada por um fio em 1980 durante um acidente com um míssil da base de Damascus, no Arkansas. Já Gibney alerta para a novíssima corrida armamentista em andamento, tendo por modelo o caso do vírus Stuxnet desenvolvido numa parceria EUA-Israel para atacar o programa nuclear iraniano.
O sexto título deste grupo é um dos grandes filmes recentes sobre campanhas eleitorais: “Weiner”, de Josh Kriegman e Elyse Steinberg. Ao centro, a tentativa pelo ex-deputado federal democrata Anthony Weiner de reconstruir sua carreira política, concorrendo à Prefeitura de Nova York em 2013, depois de envolver-se num escândalo pelo envio de fotos de cueca pelo Twitter.
São contundentes e atualíssimos dois documentários sobre as batalhas pelos direitos civis nos EUA. Em “Newtown”, Kim A. Snyder revisita de maneira austera e minimalista a pequena cidade de Connecticut dilacerada pelo massacre de crianças e funcionários numa escola primária em 2012. Já “Trapped”, de Dawn Porter, investiga as estratégias de combate contra legislações restritivas ao direito ao aborto por clínicas sobretudo no Alabama e em Mississipi.
Dois dos mais tocantes documentários do ano baseiam-se em estudos de casos médicos. Em “Gleason”, J. Clay Tweel parte sobretudo dos videos gravados para o filho por seu protagonista, um astro recém-aposentado do futebol americano que sofre de um doença neurodegenerativa (Lou Gehrig), a mesma do físico Stephen Hawking. Por fim, “Vida, Animada”, de Roger Ross Williams, conta como os desenhos animados da Disney foram a base para a ressocialização de um garoto autista.
Para as duas vagas restantes, as apostas mais fortes incluem o policial “Amanda Knox”, de Brian McGinn e Rod Blackhurst (já no Netflix), o ecológico “The Ivory Tower”, de Kief Davidson e Richard Ladkani, e o musical “Miss Sharon Jones!”, de Barbara Kopple. Seriam para mim apenas complementos à lista.