É Tudo Verdade / It's All True - Notícias - JFK na Tela: de Fato e de Ficção

Neste mesmo suplemento na semana passada, Carlos Eduardo Lins da Silva escreveu com o brilho habitual sobre o legado da presidência tragicamente encurtada de John Fitzgerald Kennedy (1917-1963). Refestelando-me com a leitura, foi inevitável que corressem à mente flashes de uma filmoteca kennedyana, que seguramente se ampliará nos próximos meses, ao completar-se em 22 de novembro o cinquentenário de seu assassinato em Dallas, Texas.

JFK talvez tenha sido o mais telegênico político do século 20. A câmera o amava e ele indubitavelmente devolvia-lhe em dobro.

Não é a toa que se atribui importante peso para seu triunfo nas urnas à sua performance num debate televisivo com o candidato republicano, Richard Nixon (1913-1994). Até hoje se discute se Kennedy bateu Nixon em conteúdo; na forma, ficou de pronto evidente que o massacrou.

Neste meio século, cinema e televisão, em abordagens ficcionais e documentários, ampliaram enormemente a cinemateca Kennedy, já muito significativa durante sua carreira política. A ficção me parece ainda ficar muito atrás das narrativas não-ficcionais. Até pelo fato de ninguém se equiparar a JFK interpretando JFK.
Não que grandes atores não tenham tentado. A lista inclui, entre outros, Cliff Robertson (O Herói do PT 109, 1963) e Bruce Greenwood (Treze Dias Que Abalaram o Mundo, 2000), na tela grande, e William Devane (Os Mísseis de Outubro, 1974), Martin Sheen (na minissérie Kennedy, 1983) e Greg Kinnear (na minissérie Os Kennedys, 2011), na telinha. Nenhum destes deu vexame, ainda que sem exatamente chegar lá.

Dirigido por Jim Goddard, Martin Sheen me parece ter captado melhor do que qualquer outro tanto certa fragilidade física quanto uma difusa mas essencial melancolia do personagem, ainda que em aparência guardem muito pouco em comum. Em 283 minutos, é ainda a mais convincente tentativa dramática de transformar a saga Kennedy em narrativa audiovisual.

No cinema, o diretor Roger Donaldson não fez feio ao procurar reproduzir a sutil dinâmica interna de Camelot (o mítico círculo interno da Casa Branca sob JFK) em Treze Dias Que Abalaram o Mundo, sobre a crise dos mísseis em Cuba, em outubro de 1962. Reconheça-se, OK, que foi algo inflacionado o papel do assistente especial do presidente, Kenny ODonnell (1924-1977). Mas compreende-se: era o artíficio necessário para encorpar o papel reservado a Kevin Costner, com o objetivo de, por meio de uma esperta operação de casting, transferir ao filme a identificação do ator com o universo kennedyano já alcançada, com imenso sucesso, no anterior JFK: A Pergunta Que Não Quer Calar (1991), de Oliver Stone.

Stone não fez um filme sobre Kennedy, que aparece apenas em materiais de arquivo ou ao longe com Steve Reed como dublê. JFK é assumidamente um libelo contra a versão oficial da responsabilidade única de Lee Harvey Oswald (1939-1963) pelo assassinato. Tanto é assim que Stone reservou seu maior astro, Costner, para viver o promotor Jim Garrison (1921-1992), responsável pela mais famosa das investigações paralelas que até hoje alimenta a maior indústria de teorias da conspiração da história dos EUA.

Para contrapor à talentosa fúria de Stone, nada melhor do que a sobriedade de JFK: 3 Shots That Changed America (JFK: 3 Tiros Que Mudaram os EUA), o documentário em duas partes realizado em 2009 para o History Channel por Nicole Rittenmeyer e Seth Skundrick (disponível em DVD no mercado americano). O assassinato e sua investigação são apresentados a partir quase exclusivamente de incríveis registros de época, como se acompanhassemos a cobertura à quente.

É exatamente esta sensação de testemunhar a história, ainda que mediada pela câmera, que torna insuperável, entre a vasta filmografia não-ficcional dedicada a Kennedy, a série de documentários realizados para a televisão no calor da hora por Robert Drew, que esteve no Brasil em 2005 a convite do É Tudo Verdade. Primárias (1960, em dvd no Brasil) o acompanha em plena luta pela conquista da indicação pelo Partido Democrata para a disputa presidencial. Adventures on the New Frontier (1961) registra-o no novo cotidiano da Casa Branca. Rodado um ano mais tarde, Crise (também disponível aqui em dvd) o flagra em ação durante um embate executivo contra o governo segregacionista do Alabama, George Wallace. Por fim, o curta-metragem Faces de Novembro (1963) imortaliza apenas em gestos e rostos todo o trauma do adeus precoce a John Fitzgerald Kennedy.

Em 2008, inconformado com os rumos de seus pais na era Bush, Drew retornou a JFK com Um Presidente para Lembrar: Na Companhia de John F. Kennedy (exibido pela TV Cultura), que editou essencialmente com registros colhidos para seus filmes anteriores. Torcia pela ainda incerta viabilização da candidatura presidencial de Obama. No semana de sua posse, em janeiro de 2009, um artigo no The New York Times aconselhava: o primeiro filme que Barack Obama deveria assistir na Casa Branca era Crise. Pelo andar da carruagem, aposto que não viu.