Por Amir Labaki
Nem mesmo a pandemia desaqueceu a competição ao Oscar de melhor documentário de longa-metragem na 94ª edição do prêmio anual da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. A última disputa contou nada menos do que 238 produções não-ficcionais inscritas e não ficam atrás as previsões para este ano. O prazo final para as inscrições se encerra em 1º de novembro.
Infelizmente descartado na semana passada pela Academia Brasileira de Cinema da disputa de melhor filme internacional, o certeiro e delicado “A Última Floresta”, de Luiz Bolognesi, parece ser o documentário brasileiro com maiores chances de concorrer ao Oscar de longa documental. Exibido como filme de encerramento do É Tudo Verdade em abril passado e vencedor do prêmio de público do Panorama Documento do Festival de Berlim deste ano, “A Última Floresta” apresenta, por meio de uma sofisticada narrativa híbrida, com trechos encenados com rara maestria, a um só tempo um complexo mergulho na cosmogonia do yanomami e uma vigorosa denúncia dos riscos do garimpo ilegal para a vida harmônica da tribo em seu território. O notável amadurecimento de Bolognesi como realizador passa pelo convite ao xamâ yanomami Davi Kopenawa para co-roteirizar “A Última Floresta”, além de brilhar como seu mais carismático protagonista.
Liderando a lista de previsões de Clayton Davis na revista especializada Variety, outro destaque do É Tudo Verdade deste ano, o filme de abertura “Fuga” (Flee) do dinamarquês Jonas Poher Rasmussen parece bem-posicionado para concorrer em ao menos duas categorias. Documentário de animação sobre a longa travessia no exílio de um afegão que busca escapar da primeira ditadura do Talibã, “Fuga” venceu tanto a disputa de documentários internacionais do Sundance 2021 quanto a competição do Festival de Annecy (França), o principal evento anual do cinema de animação. Sinal dos tempos: seria a primeira produção a concorrer nestas duas categorias.
A relação de favoritos de Davis na Variety também inclui entre os que correm por fora tanto “A Última Floresta” quanto o vencedor internacional do É Tudo Verdade deste ano, “Presidente”, em que a cineasta dinamarquesa Camilla Nielsson acompanha os percalços da campanha presidencial do jovem Nelson Chamisa na primeira eleição após 38 anos da ditadura de Robert Mugabe (1924-2019). Ao menos outros quatro documentários de temática internacional parecem com boas chances de competir.
Ganhadores da categoria com “Free Solo” em 2019, Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi estruturam como um thriller eletrizante a batalha em 2018 pelo resgate numa caverna inundada de um time mirim de futebol na Tailândia em “The Rescue”. Em “Ascension”, Jessica Kingdom devassa o cotidiano do ultracapitalismo acelerado da China. Já o mexicano Alonso Ruizpalacios combina elementos da ficção e do documentário em “Una Película de Policías”. Por sua vez, “Writing With Fire”, de Sushmit Ghosh e Rintu Thomas, acompanha o cotidiano do único jornal indiano editado apenas por mulheres.
Outras duas questões emergenciais da hora, o combate ao racismo e a emergência climática, pautam respectivamente “Who We Are: A Chronique of Racism in America”, de Emily Kunstler e Sarah Kunstler, e “Bring Your Own Brigade”, de Lucy Walker. O primeiro oferece, a partir das reflexões do advogado Jeffery Robinson, uma visão panorâmica do racismo estrutural que atinge os afro-americanos, enquanto no segundo Walker investiga as causas dos devastadores incêndios florestais dos últimos anos na Califórnia.
São curiosamente complementares as duas biografias de personalidades essenciais do audiovisual culinário nos EUA, Julia Child (1912-2004) em “Julia” de Julie Cohen e Betsy West, e Anthony Bourdain (1956-2018) em “Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain” de Morgan Neville. Sobre as chances de indicação deste último pesa a intensa polêmica ética quanto à recriação digital da voz de Bourdain. Um terceiro retrato destacado merecidamente pela Variety é “Becoming Cousteau”, de Liz Garbus, sobre o documentarista e oceanógrafo Jacques-Yves Cousteau (1910-1997).
Entre os 15 semifinalistas da categoria que serão anunciados em 21 de dezembro quase certamente estarão dois documentários musicais, “Summer of Soul ou Quando a Revolução Não Pode Ser Televisionada”, em que Questlove reconstitui o histórico festival de música afro-americana no Harlem nova-iorquino do verão de 1969, e “The Velvet Underground”, de Todd Haynes, uma biografia da banda cult liderada por Lou Reed (1942-2013) que a insere na cena da vanguarda da virada dos anos 1960 para os 70, disponível já na Apple TV+.
Documentários sobre a pandemia tampouco devem ficar de fora. “In The Same Breath”, de Nanfu Wang, devassa o acobertamento pelo Partido Comunista Chinês do início da emergência sanitária em Wuhan e a tardia reação americana. Já Matthew Heineman acompanha, em “The First Wave”, o trágico ápice da pandemia em Nova York fechando o foco sobre quatro meses do cotidiano de um hospital do Queens em 2020. É o cinema tomando o pulso da história.