Por Amir Labaki
O devastador impacto da pandemia da Covid-19 sobre a indústria de cinema tem como rara consequência positiva haver emprestado novo impulso ao processo de “aggiornamento” da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e de seu prêmio máximo anual, o Oscar. A lista de indicados para a disputa da 93º edição do Oscar, anunciada no último dia 15, demarca uma aceleração no movimento visando tornar o prêmio mais independente e internacional, assim como mais diverso em gênero e etnias. A reforma provocada no final da última década pelas campanhas #OscarsSoWhite e #MeToo, aplaudida nesta coluna pelo menos nas últimas três edições, ganhou tração neste ano, mas a lista de concorrentes não representa um novo movimento ou uma surpreendente ruptura.
Duas mulheres entre os indicados a melhor direção, nove dos vinte intérpretes concorrentes representando etnias antes marginalizadas e maior presença de produções independentes na disputa de melhor filme reafirmar a busca recente de um saudável reequilíbrio.
Além de uma injustiça e um exagero, a liderança de indicações por “Mank”, de David Fincher, que concorre a dez estatuetas, lembra a velha máxima de que o Oscar é uma autocelebração de Hollywood.
Velhos hábitos não morrem facilmente, logo a superprodução que reglamuriza os anos dourados do sistema de estúdios, ainda que à custa de caricaturar e vilipendiar um dos maiores cineastas da história, Orson Welles (1915-1985), teve na manhã das indicações seu fugaz momento de glória. Tudo indica que a posição destacada não se repetirá na noite de entrega do Oscar, em 25 de abril próximo, numa cerimônia ainda em desenvolvimento, de olho nas restrições impostas pela pandemia. É especialmente simbólico que um dos calcanhares de Aquiles de “Mank”, o roteiro póstumo de Jack Fincher (1930-2003), pai do diretor, tenha ficado de fora da enxurrada de indicações. Favorito sem melhor roteiro? Duvide.
Dos seis títulos do segundo pelotão, com seis indicações cada, “Nomadland” da chinesa de nascimento Chloé Zhao destaca-se com a mais segura aposta do ano. É um drama sobre os humilhados e ofendidos pela mais recente crise econômica dos EUA, protagonizados por uma nômade contemporânea interpretada por Frances McDormand (Fargo), forte candidata a melhor atriz.
Sua estreia no Brasil está agendada para a semana anterior à premiação.
Se Zhao promete fazer história como apenas a segunda mulher a vencer o prêmio de melhor direção (Kathryn Bigelow a antecedeu em 2008 por “Guerra ao Terror”, o mesmo deve acontecer com Chadwick Boseman (1976-2020), o astro de “Pantera Negra” (2018) que rouba a cena em seu último papel como o músico irascível do modorrento “A Voz Suprema do Blues”. O único Oscar de melhor ator atribuído postumamente data de 1977, celebrando o imenso desempenho de Peter Finch (1916-1977) no atualíssimo “Rede de Intrigas” de Sidney Lumet (1924-2011).
Depois de uma excepcional lista de 15 semifinalistas, a disputa de melhor documentário de longa-metragem infelizmente deu um trupicada. De um lado, repete dois dos avanços ousados no ano passado. Um dos filmes da lista também concorre a melhor filme internacional, como fizera “Honeyland” e é agora a vez do romeno “Collective” de Alexander Nanau, vencedor da disputa internacional do É Tudo Verdade 2020. Pela segunda vez consecutiva um documentário dirigido por uma diretora sul-americana conquista uma vaga, com o chileno “Agente Secreto” de Maite Alberdi, menção honrosa de nosso festival no ano passado, sucedendo a brasileira Petra Costa de “Democracia em Vertigem”.
Nada a reclamar quanto às indicações de “Time”, de Garrett Bradley, e de “Crip Camp: Revolução pela Inclusão”, de James Lebrecht e Nicole Newnham, seguindo este último os passos de “Indústria Americana”, de Julia Reichert e Steven Bognar, o vencedor do ano passado que também estampava o selo do novo braço documental do casal Barack e Michele Obama. A decepção do quinteto é “Professor Polvo”, de Pippa Ehrlich e James Reed, um pouco inspirado documentário de natureza sobre a relação entre um cineasta e um polvo nas águas da África do Sul.
O conjunto seria muito mais potente se, para esta quinta vaga, contasse com “As Mortes de Dick Johnson”, um perturbador jogo macabro entre a cineasta Kirsten Johnson e seu pai, “Welcome to Chechnya”, sobre a repressão à comunidade LGBTQ na República Russa da Chechênia, ou “76 Dias”, uma devastadora radiografia do auge da epidemia de Covid-19 em Wuhan, China. Como ficou, a lista documental brilha menos do que poderia. A torcer para que ao menos a premiação faça a coisa certa.