Por Amir Labaki
Há
muito a celebrar na lista de 15 semifinalistas ao Oscar 2021 de melhor
documentário de longa-metragem. Uma ou outra preferência pessoal pode
ter sido frustrada, mas se trata de um conjunto sólido, diverso e
cosmopolita, com variedade estilística e excelência quase unânime.
Sequer podemos falar em grandes surpresas, com a maior parte dos
selecionados já comentados ou destacados nos últimos meses nesta coluna.
Cerca
de meia década após a eclosão dos movimentos #MeToo e #OscarsSoWhite,
as reformas levadas a cabo pelo departamento de documentários da
Academia refletem fortemente na maior diversidade e internacionalismo
dos classificados para lutar agora por uma vaga entre os cinco indicados
que serão conhecidos em 15 de março. Oito dos 15 filmes são dirigidos
ou codirigidos por mulheres. Nove são produções não americanas ou tratam
de questões de fora dos EUA. A lista abrange afro-americanos,
asiáticos, latinos, a comunidade LGBT+ e portadores de necessidades
especiais.
A
variedade estilística marca a meia dúzia de representantes devotados a
questões ou personagens americanos. “Até o Fim: A Luta pela Democracia”
(Amazon Prime), de Lisa Cortés e Liz Garbus, combina entrevistas,
material de arquivo e gravações exclusivas para combater as barreiras de
supressão de voto que têm discriminado especialmente afro-americanos
nas eleições, tendo ao centro a militante do Partido Democrata Stacey
Abrams, liderança fundamental para o triunfo na campanha presidencial de
Joe Biden no Estado da Geórgia.
A
batalha pelos direitos afro-americanos está ao centro tanto de “Time”
(Amazon Prime), de Garrett Bradley, quanto de “MLK/FBI”, do mestre Sam
Pollard. O primeiro recupera, a partir de filmagens domésticas, a luta
de Fox Rich pela libertação do marido condenado a 60 anos por assalto a
banco. Pollard mergulha em arquivos inéditos para radiografar a devassa
no cotidiano do líder Martin Luther King Jr. (1929-1968) conduzida pelos
asseclas de J. Edgar Hoover (1895-1972).
O
dinamismo do registro do Cinema Direto marca o empenho de Amanda
McBaine e Jesse Moss em acompanhar um ciclo de treinamento de jovens
lideranças em “Boys State” (Apple TV). Por sua vez, “Crip Camp:
Revolução pela Inclusão” (Netflix), de James Lebrecht e Nicole Newnham,
combina depoimentos e arquivos fotográficos e audiovisuais para recordar
o impacto inclusivo de um campo para adolescentes com necessidades
especiais do começo dos anos 1970.
O
dispositivo documental mais original deste grupo destaca “As Mortes de
Dick Johnson” (Netflix), de Kirsten Johnson. Contando com a radical
parceria de seu pai, Johnson carnavaliza o ritual de sua última
despedida, encenando diversas hipóteses para sua futura morte.
Fronteiras
entre ficção e documentário são também desafiadas por “O Agente”, da
chilena Maite Alberdi, e “Notturno”, do italiano Gianfranco Rosi. Maite
infiltra um investigador improvisado para documentar o dia a dia num
retiro de anciões. Já o arquipremiado Rosi (“Fogo no Mar”) usa um
mosaico de registros, realizados durante três anos na Síria, no Iraque,
Líbano e Curdistão, para capturar traumas de sobreviventes da guerra
civil síria desde 2011.
A
potência do registro ao vivo multiplica a força de “76 Dias”, de Weixi
Chen, Hao Wu e um cineasta anônimo; “Collective”, do romeno Alexandre
Nanau, e “Bem-Vindo à Chechênia”, de David France. “76 Dias” talvez seja
o filme definitivo sobre o pioneiro confinamento em Wuhan, China,
provocado pela onda inicial de covid-19. A militância cívica do
jornalismo investigativo contra a corrupção do poder público faz
“Collective” lembrar “Todos os Homens do Presidente” (1976), de Alan J.
Pakula.
Já
“Bem-Vindo à Chechênia” (disponível no Now) já fez história como o
primeiro documentário também semifinalista na disputa do Oscar de
efeitos especiais, devido ao recurso da alteração digital do rosto de
alguns de seus personagens. A razão é de segurança: garantir anonimato
para vítimas potenciais da repressão à comunidade LGBT+ na região da
Chechênia ex-soviética.
Muitos
distintos são os três documentários empenhados em questões ecológicas.
Em “Gunda”, o russo Victor Kossakovsky concentra radicalmente o foco na
vida em fazenda da porca que dá título ao filme, ao lado de sua ninhada e
de outros animais. Se “Gunda” remete a alguns dos filmes de natureza de
Walt Disney, é Jacques Cousteau que vem à mente em “Professor Polvo”
(Netflix), de Pippa Ehrlich e James Reed. A dupla acompanha o convívio
submarino por um ano do cineasta sul-africano Craig Foster com um polvo
da península do Cabo. Por sua vez, Michael Dweck e Gregory Kershaw
investigam em “The Truffle Hunters” a busca e o preparo das raras trufas
brancas do Piemonte italiano.
Finalmente,
“The Painter and the Thief”, do norueguês Benjamim Ree, é uma espécie
de thriller existencial. Uma jovem artista plástica localiza o ladrão de
um de seus quadros — e o que se segue é mais dramático que a maior
parte das ficções.
O
vigor do conjunto espelha-se na classificação de dois desses títulos,
“Collective” e “O Agente”, também entre os 15 semifinalistas na
categoria de melhor filme internacional — uma raridade para
documentários. Que ambos tenham sido destacados pelo júri internacional
do É Tudo Verdade do ano passado é uma honra — e uma bela chancela.