A pandemia da Covid-19 levou a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood a alterar seu calendário e regras de qualificação para a disputa do 93º Oscar, remarcando apenas para 25 de abril próximo a cerimônia de premiação. A corrida será assim mais longa, o que não impediu que diversas listas de favoritos e indicações para prêmios paralelos já tenham dado a largada para a competição do Oscar de melhor documentário de longa-metragem.
Antes de examinar esta primeira relação de potenciais concorrentes, há algo a celebrar para o hoje asfixiado cinema brasileiro. Visando expandir a possibilidade de classificação de longas-metragens documentais afetados pela inédita crise no lançamento de títulos em salas de cinema, a Academia criou uma via expressa de qualificação. Neste ano, um documentário qualifica-se para inscrever-se diretamente para a disputa tendo sido selecionado por ao menos dois festivais internacionais de uma lista de 21 eventos mundiais, tendo sido incluído o É Tudo Verdade como único evento latino-americano desta restrita relação, ao lado de Berlim, Cannes, Hot Docs, IDFA, Sundance e Veneza, entre outros.
Assim, não apenas os vencedores das competições de longas e curtas-metragens brasileiros e internacionais do É Tudo Verdade 2020 já estão pré-classificados, mas também todo filme exibido pelo festival que também tenha participado de um dos outros vinte eventos. É uma distinção que transcende nosso festival no ano de sua 25ª. edição, reconhecendo a excelência da indústria audiovisual brasileira e latino-americana.
Os candidatos a concorrer ao Oscar devem inscrever-se até o próximo dia 1º. Em 9 de fevereiro de 2021 serão conhecidos os 15 semifinalistas na disputa de melhor documentário de longa-metragem. A lista final dos concorrentes em todas as categorias será anunciada em 15 de março próximo.
O quadro de concorrentes começou a tomar forma com os anúncios, nas últimas semanas, das listas de documentários semifinalistas, indicados ou favoritos de premiações como o Prêmio Gotham de Cinema Independente, o Critics Choice, e o prêmio da IDA (International Documentary Association), assim como da antenada “Short List” do DOC NYC. Oito títulos marcam presença em ao menos duas destas relações, largando bem para a disputa.
Você já pode conferir metade deles em serviços de streaming. Encontram-se na Netflix “Crip Camp – Revolução Pela Inclusão”, de James Lebrecht e Nicole Newnham, “O Dilema das Redes”, de Jeff Orlowski, e “As Mortes de Dick Johnson”, de Kirsten Johnson.
Tendo Barack e Michelle Obama entre seus produtores executivo, como o vencedor do ano passado (Indústria Americana), “Crip Camp” reconstitui o impacto de reinserção social dos participantes de um campo de férias para deficientes nos EUA do início dos anos 1970. “O Dilema da Redes”, por sua vez, denuncia a manipulação política, monetização invisível e quebra de privacidade levadas a cabo pelas mídias sociais como Facebook, Instagram e Twitter.
Premiado por sua originalidade formal no último Sundance, “As Mortes de Dick Johnson” é um dos mais intimistas concorrentes do ano, na bem-humorada construção de cenários para o fim da vida do pai da diretora. Vencedor do prêmio de direção no mesmo festival, Garrett Bradley em “Time” (Amazon Prime Video) reconstrói as mais de duas décadas de batalha pela redução da pena de um pai de família afro-americano.
Ainda inéditos por aqui são “76 Days”, dos chineses Weixi Chen, Hao Wu e um terceiro diretor anônimo, “A Thousand Cuts”, de Ramona S. Diaz, “The Fight”, de Eli B. Despres, Josh Kriegman e Elyse Steinberg, e “Gunda”, do russo Victor Kossakovsky. “76 Days”, batizado a partir do período de radical quarentena decretado em Wuhan no início da pandemia, acompanha o devastador impacto da covid-19 a partir de quatro hospitais da cidade.
“A Thousand Cuts” e “The Fight” são mais diretamente militantes. O primeiro radiografa a fúria persecutória contra a imprensa pelo líder populista de direita das Filipinas, o presidente Rodrigo Duterte, a partir da perseguição à jornalista Maria Ressa, uma das quatro profissionais de mídia destacada como personalidade do ano pela revista Time em 2018. Já “The Fight” acompanha como desde o primeiro dia da administração Trump, em janeiro de 2016, os advogados da American Civil Liberties Union (ACLU) tiveram de multiplicar sua atuação em defesa dos direitos civis nos EUA.
Um dos mais originais documentaristas em atividade, Kossakovsky desta vez acompanha, por uma hora e meia, o cotidiano de uma porca e seus filhotes. Lançado no último festival de Berlim, “Gunda” é no fundo uma radical fábula preservacionista. Não surpreende que cale fundo em nossa era de emergência sanitária.