Por Amir Labaki
As medidas de proteção sanitárias frente à segunda onda da pandemia da covid-19 na Europa golpearam os planos para a 33ª edição do IDFA, o Festival Internacional de Documentários de Amsterdã, o principal evento do mundo dedicado ao cinema não-ficcional. A manutenção de uma programação presencial, ainda que exclusiva para o público da cidade holandesa, foi confirmada apenas nesta semana, com larga parte do evento desenvolvendo-se ainda estritamente on-line.
Da próxima quarta (18) a 6 de dezembro, nada menos que 258 documentários de 72 países, entre mostras competitivas, informativas e retrospectivas, além do mercado Docs for Sale e do IDFA Forum, um dos mais tradicionais encontros anuais para apresentação de novos projetos. O festival será aberto por ‘Nada Além do Sol” (Nothing but the Sun), uma co-produção suíço-paraguaia sobre a história da opressão do povo indígena Ayoreo dirigida por Arami Ullón.
Esta saudável atenção ao documentário sul-americano reflete-se também pela significativa presença brasileira no IDFA 2020. Nada menos que três documentários nacionais foram selecionados para mostras competitivas. “5 Casas”, do gaúcho Bruno Gularte Barreto, disputa entre os estreantes. Da competição internacional de curtas-metragens participa “Same/Different/Both/Neither”, um filme epistolar rodado durante a pandemia por Fernanda Pessoa e Adriana Barbosa. Já “Sob Minha Pele”, um doc em VR (realidade virtual) de João Inada, foi selecionado para a competição do DocLab, cancelada in loco devido à quarentena provocada pela covid-19.
Quatro títulos brasileiros serão exibidos em mostras paralelas. No ciclo Mestres, Karim Aïnouz apresenta “Nardjes A.”, um mergulho intimista na “primavera argelina” de 2019. Para a mostra “Best of Fests”, foi selecionado “Narciso em Férias”, de Renato Terra e Ricardo Calil, sobre a prisão de Caetano Veloso pela ditadura militar brasileira (1964-1985).
Em “Frontlight”, ciclo dedicado a questões urgentes da hora, serão apresentados “Dentro da Minha Pele”, de Toni Venturi, uma radiografia da questão racial no Brasil, e o curta experimental “O que Há em Ti”, de Carlos Adriano, que aproxima pulsões autoritárias no Haiti da década passada e no Brasil atual a partir da gravação que viralizou na internet, em março passado, de um protesto de um haitiano contra o presidente Jair Bolsonaro.
A produção brasileira marca presença ainda com dois projetos no IDFA Forum, que se desenvolve on-line entre os próximos dias 16 e 20. Em “Germano Black Society”, a diretora Everlane Moraes reconstitui os esforços de um clube em combater, nos anos 1970, a invisibilidade social dos afro-brasileiros. Depois de discutir o impeachment em 2016 de Dilma Roussef em “O Processo” (2018), Maria Augusta Ramos volta sua câmera, em “Justice Under Suspicion” (Justiça Sob Suspeita), para o trabalho investigativo sobre a Operação Lava-Jato de três repórteres do jornal “El País”.
Doze documentários foram selecionados para a mostra competitiva internacional de longas-metragens. Entre os concorrentes encontram-se quatro títulos de cineastas consagrados como o russo Vitaly Mansky (Gorbatchev. Heaven), a francesa Claire Simon (The Grocer’s Son, The Mayor, The Village and the World…), o suiço Thomas Imbach (Nemesis) e o holandês Renzo Martens (White Cube). Destaque-se ainda a rara presença de um concorrente assinado por um coletivo anônimo de documentaristas, o Hong Kong Documentary Filmmakers, que enfoca a revolta estudantil do ano passado em “Inside The Red Brick Wall”.
O grande homenageado do ano é o documentarista Gianfranco Rosi, celebrado por uma retrospectiva que inclui os títulos que o levaram a conquistar os prêmios máximos dos festivais de Veneza (Sacro GRA, 2013) e Berlim (Fogo ao Mar, 2016). Rosi selecionou ainda para o IDFA sua heterodoxa lista dos “Dez Mais”.
Seu programa combina clássicos do documentário italiano como os curtas de Vittorio De Seta (1923-2011), filmes híbridos como “Route One/USA”(1989), de Robert Kramer, e obras ficcionais como “Francisco, Arauto de Deus” (1950), de Roberto Rossellini, e “Os Esquecidos” (1950), de Luis Buñuel. Nada que surpreenda: o cinema de Gianfranco Rosi nunca se ateve a fronteiras.