Por Amir Labaki
O É Tudo Verdade -Festival Internacional de Documentários, que originou esta coluna ainda na aurora dos vinte brilhantes anos deste Valor, anunciou na última terça-feira (10) a programação do evento que celebra sua 25ª. edição. Além das vigorosas safras de documentários inéditos, seis projeções especiais comemoram a efeméride, entre 26 de março e 5 de abril em São Paulo e de 31 de março a 5 de abril no Rio de Janeiro.
“Ano 1 – A Safra Brasileira do É Tudo Verdade 1996” reflete o momento de ignição das transformações que marcaram desde então a produção audiovisual não-ficcional no país. Ainda não-competitiva, a edição inaugural convidou para sua primeira mostra brasileira doze filmes, sendo quatro longas-metragens e oito curtas.
Revisitá-los permite compreender a conjuntura cinematográfica brasileira de meados dos anos 1990, ainda sob o impacto devastador da extinção dos mecanismos de apoio à produção com o fechamento pelo governo Collor (1990-1992) da Embrafilme. Iniciava-se lentamente à chamada “Retomada” e vivia seu ápice a “primavera dos curtas”, reafirmando a tradicional vitalidade estética do formato na história do cinema no país.
Homenageada naquela edição inaugural, a obra do mestre cubano Santiago Álvarez (1919-1998) tem seu vigor e sua originalidade sintetizados exemplarmente por Silvio Tendler no ainda inédito “Santiago das Américas ou O Olho do Terceiro Mundo” (2019). Tendler comemora seus 70 anos de idade e mais de meio século dedicado ao documentário frisando a contribuição renovadora de Álvarez em clássicos como “Now!”(1965) e “Hanói Terça-Feira, 13” (1968).
Exemplo do trabalho de recuperação histórica realizado pelas retrospectivas do festival, “Volkswagen: Operários na Alemanha e no Brasil” (1974), de Jorge Bodanzky e Wolf Gauer, documentava o estado das coisas do operariado fabril em duas conjunturas nacionais distintas, dialogando com o futuro das mesmas relações trabalhistas como estampado pelo vencedor do Oscar de melhor documentário deste ano, “Indústria Americana” (2019) deJulia Reichert e Steven Bognar. A pesquisa, resgate, exibição e debate da rica e desconhecida história da produção não-ficcional, brasileira e mundial, têm sido compromisso essencial do empenho na formação de público e estímulo à reflexão do É Tudo Verdade.
Com um quarto de século de atividade ininterrupta, não surpreende que o próprio cânone do documentário nacional tenha sido desenvolvido a partir de obras lançadas pelo festival. Um destes marcos fez história em 2003 como o primeiro filme vencedor tanto da disputa brasileira quanto da internacional. “O Prisioneiro da Grade de Ferro (Auto-Retratos)”, de Paulo Sacramento, ganha assim sessão especial em inédita cópia restaurada.
Se o documentário de longa-metragem adquiriu nestes 25 anos um protagonismo sem precedentes, o formato seriado despontaria no século 21 como a nova estrutura de difusão maciça, impulsionado pelo digital e pelo streaming. Duas séries documentais inéditas no país, uma restaurada, outra novíssima, revelam um potencial estético ainda a ser plenamente explorado.
Em “A Herança da Coruja”, o revolucionário Chris Marker (1921-2012) apontava pioneiramente, já em 1989, a força iluminista do formato. Em treze episódios de 24 minutos, Marker discute com mais de 60 artistas e pensadores, como os críticos Cornelius Castoriadis, George Steiner, Giulia Sissa e Jean-Pierre Vernant, e realizadores como Elia Kazan e Theo Angelopoulos, o legado da cultura clássica grega para o mundo contemporâneo.
“As entrevistas com os especialistas, essa passagem obrigatória, são aqui de uma rara vivacidade”, destacou quando do relançamento da série, há dois anos, o crítico francês Christophe Chazalon. “A maneira como Marker não corta hesitações nem exaltações, a arte dialética da edição, sempre mantém o pensamento do filme em movimento”.
Por sua vez, em “Women Make Film: Um Novo Road Movie Através do Cinema” (2019), Mark Cousins revisita a estética e a história do cinema a partir da contribuição historicamente subestimada das diretoras. Narrada por Tilda Swinton, Sharmila Tagore e Jane Fonda, entre outras, a série se divide em 40 capítulos temáticos distribuídos por 5 partes totalizando 14 horas.
Trechos de mais de 700 filmes rodados nos 5 continentes por 183 diretoras frisam o impacto renovador das mulheres sobre a arte cinematográfica. Entre elas, cineastas como Agnès Varda e Maya Deren, Alice Guy-Blaché e Jane Campion, Kinuyo Tanaka e Sumita Peries, Heddy Honigmann e, sim, a brasileira Petra Costa. Uma lista com todas as produções citadas encontra-se em www.womenmakefilm.net.
Boa jornada!