Por Amir Labaki
Uma mostra especial celebra a partir do próximo dia 27 no 57o Festival de Cinema de Nova York o centenário da fundação da American Society of Cinematographers (ASC), a associação de diretores de fotografia estabelecida em janeiro de 1919 na Califórnia. É uma marca e tanto. Nem a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, estabelecida em 1927, chegou lá.
A primeira categoria profissional de cinema a organizar-se foi a dos diretores e diretoras de fotografia. Atores e atrizes formaram sua associação, o Screen Actors Guild (SAG), só em 1933. Os diretores e diretoras de cinema o fariam, no que hoje é o Directors Guild of America (DGA), apenas a partir de 1936, surgindo em 1950 a associação de montadores e montadoras (American Cinema Editors, ACE).
O pioneirismo dos homens e mulheres da câmera nos EUA demorou a vingar no resto do mundo. Apenas no pós-guerra fundou-se uma sociedade similar na Grã-Bretanha (1946). Os franceses demoraram ate 1990 para fazer o mesmo. Na América Latina, os mexicanos saíram na frente (1992) e, por aqui, data de 2000 o surgimento da Associação Brasileira de Cinematografia (ABC), desde então extraordinariamente ativa, entre aulas magnas, projeções comentadas, seminários e um encontro e premiação anual, a Semana ABC.
Desde seu nascimento, a ASC foca questões culturais, didáticas e técnicas, não tratando de articulação sindical, como lembra o dossiê sobre o centenário publicado no número especial de agosto de sua tradicional revista, a American Cinematographer, publicada mensalmente desde 1922. “Nosso objetivo original”, lembra um dos fundadores da entidade, Lewis W. Physioc (1879-1972), “foi reunir diretores de fotografia para trocar ideias e dessa forma encorajar os fabricantes a produzir melhores equipamentos, especialmente de iluminação”.
Integrar a ASC é um privilégio para convidados, em sua larga maioria americanos, mas aberta a mestres internacionais, entre os quais brasileiros como Affonso Beato (Tudo Sobre Minha Mãe; Orfeu) e Lula Carvalho (Tropa de Elite). Desde 1919, menos de mil profissionais (924 para ser exato) se tornaram membros ativos. Estes são hoje 400, somados a 246 membros associados, categoria reservada a profissionais ligados à indústria de equipamentos.
A mesma edição da American Cinematographer dedica 13 páginas para a iniciativa mais lúdica, para cinéfilos mundo afora, das comemorações da efeméride. Sob o título “Um Século de Inspiração”, resume-se o levantamento realizado entre membros ativos da ASC para apontar “a lista dos filmes que foram mais influentes”.
A relação dos 100 filmes mais inspiradores sob o ponto de vista da direção de fotografia é naturalmente anglofílica, com apenas 15 produções realizadas fora dos EUA e Grã-Bretanha. Entre elas, destacam-se dois dos três títulos mais antigos, os clássicos mudos “Metrópolis”, de Fritz Lang, e “Napoleão”, de Abel Gance, ambos de 1927, e o mais recente, “Amor à Flor Da Pele” (2000), fotografado pelo britânico Christopher Doyle para o diretor Wong Kar-Wai.
Para compensar, o mais influente diretor de fotografia da lista é o italiano Vittorio Storaro. Ele emplacou nada menos que dois filmes entre os dez mais citados: “Apocalypse Now” (1979), de Francis Ford Coppola, no terceiro posto, e “O Conformista” (1970), de Bernardo Bertolucci (1941-2018), no sétimo. E, entre os 100, apresentados apenas cronologicamente, mais três: “Último Tango em Paris” (1972) e “O Último Imperador” (1987), também de Bertolucci, e “Reds” (1981), de Warren Beatty.
É a um só tempo simbólico e vergonhoso que não se encontre na lista nenhum filme fotografado por uma mulher. Um isolado documentário conquistou uma vaga: “Baraka” (1992), de Ron Fricke. A relação completa pode ser consultada em bit.ly/asc100films.
No topo da votação encontra-se a exuberância épica de “Lawrence da Arábia” (1962), fotografado por Freddie Young (1902-1998) e dirigido por David Lean. Em segundo lugar, nada menos que “Blade Runner” (1982), filmado por Jordan Cronenweth (1935-1996) e dirigido por Ridley Scott. A colaboração entre Gregg Toland (1904-1948) e Orson Welles em “Cidadão Kane” (1941) ocupa o quarto posto. Em quinto, eis a direção de fotografia de Gordon Willis (1931-2014) para “O Poderoso Chefão” (1972), de Coppola.
A relação dos dez mais é completada por “Touro Indomável” (1980, Michael Chapman/Martin Scorsese), o citado “O Conformista”, “Cinzas no Paraíso” (1978, Nelson Almendros/Terrence Mallick), “2001: Uma Odisséia no Espaço” (1968, Geoffrey Unsworth/Stanley Kubrick) e “Operação França” (1971, Owen Roizman/William Friedkin).
Apenas três destes trabalhos foram reconhecidos com o Oscar (Young, Storaro por “Apocalypse” e Almendros). Nenhuma surpresa, assim, que em 1986 a ASC tenha estabelecido sua própria premiação.